A vida secreta do meu violão
Meu velho violão... Hoje visitei meu companheiro de noitadas no seu abrigo para idosos. Pois é, meu Giannini foi parar num asilo de instrumentos velhos, esquecido num canto qualquer de parede, faltando encordoamento, desafinado e abandonado. Já não é mais meu parceiro e cúmplice de antigas aventuras artísticas/etílicas. Órfão de minha voz, meu velho violão agora serve de instrumento para estudantes do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, com o braço quebrado e mal ajustado, sem afinar bem, sem a sonoridade de outrora.
Imaginar que meu violão vivia numa floresta tropical em forma de pinho, mogno e jacarandá, madeiras nobres cobiçadas, de qualidades acústica e sonora inigualáveis. A madeira do meu violão foi extraída e começou um longo caminho até a fábrica de instrumentos musicais, onde um luthier - especialista na construção e no conserto de instrumentos musicais de corda, deu-lhe forma e acabamento. Percorrendo a cadeia produtiva, acabou numa loja em João Pessoa, onde foi comprado pelo meu irmão Sósthenes Costa em 1985, na esperança de vir a dominar o instrumento. Só que meu irmão é bom na fé e na caridade, mas na esperança ele não tira de letra. Desiste fácil dos seus projetos pessoais. Sem prosseguir no seu intento de ser um novo Dilermando Reis, ele me deu de presente o tal Giannini, que foi devidamente guardado em cima do gaurda-roupa para, quem sabe, um dia vir a ser utilizado por mim, outro analfabeto musical.
Permaneceu aí até 1987, quando em uma roda de samba com meu compadre Jacinto Júnior, eu tive a ideia de aprender a tocar violão. “É muito difícil, tu não vai aprender”, disse Jacinto, negando-se a me ensinar a tocar uns sambinhas de mesa de bar. Fui pra casa, tirei a poeira do violão, mandei encordoar, comprei umas revistinhas de músicas cifradas na banca e passei a semana toda treinando sozinho, até esfolar os dedos. No fim de semana seguinte, na mesma roda de samba, pedi o instrumento a Jacinto e toquei minha primeira música em público com meu Giannini. Isso foi na venda de seu Chiquinho, na rua Zé da Luz, em Itabaiana, tomando Pitu com carne de charque assada e farinha seca. Meu quase mestre ficou espantado com minha precocidade na prática do violão, antevendo rápido progresso no domínio técnico na execução do instrumento. Mas igual ao meu violão que terminou seu ciclo de vida nas mãos de estudantes, eu não progredi. Nunca aprendi a tocar “de ouvido”. Não passei de um tocador medíocre de mesa de bar. Sempre fui auto didata para tudo.
Hoje, tocar violão, para mim, é algo solitário e ainda prazeroso. Sem poder tomar birinaites e sem o círculo de amizades de outrora, foi-se minha via de boêmio. Mas as aventuras do meu violão prosseguem em outros capítulos.