Criança Esperança e o assistencialismo
Não gostaria de ser irônico, porem todos os anos algo me tira do sério. Quando chega por volta do mês de agosto, que aparecem atores da Rede Globo, cantores, pessoas do meio empresarial e crianças manipuladas para dizer o script de gravação dizendo doem amor, doem para o Criança Esperança.
Mais uma vez a velha história que o Brasil precisa da sua solidariedade, precisa da sua ajuda, da sua forma de amar através de ligação telefone e de contribuindo para o sorriso do próximo.
Daí vem, insistentemente buscando parceiros assistencialistas para financiar seu abatimento de imposto e livrar seus corações capitalistas da necessidade de ir as ruas lutar par que o país tenha melhores condições nas políticas urbanas e sociais. Pois é mais fácil sentir-se responsável doando cinco reais por telefone do que conhecer a realidade dos milhões de brasileiros em déficit habitacional, ou então limpar seus corações de amor ajudando o Criança Esperança esquecendo que sem políticas públicas as crianças viram adolescentes, jovens e quando adultas não vão poder freqüentar as aulas de circo da ONG, velha matriz da solidariedade brasileira.
Ou melhor, doe o quanto quiser, pois como diz a Rede Globo, essa corrente precisa de sua ajuda, assim como a Rede Globo precisa da nossa audiência no Jornal Nacional para conseguir passar a informação mais alienante possível no intuito de que tenhamos a vontade de acreditar que nossa luta nunca dará certo.
As manifestações da Questão Social são provocadas pelo modo de produção capitalista e que por sinal torna-se cada vez mais distante a luta contra tais manifestações quando ao invés de lutar conjunto ao próximo por um mundo mais justo sentamos como Raul Seixas cantava ao trono de um apartamento com a boca escancarada e cheia de dentes, mas sem esperar a morte chegar, antes de ela chegar nos vangloriamos que num mundo de pobres ainda temos algum para ajudar-los.
Não se doa amor, sentimentos se compartilham, pois não podem ser de um só, não se ajuda, se luta para que as coisas melhorem. Mas já se dependesse da Rede Globo, acabaríamos com as políticas sociais, com as escolas e com demais espaços de direitos e viveríamos de doações telefônicas na espera de contribuir para um país mais justo. Na contra mão do acesso igualitário a Rede Globo promove um acesso seletivo sendo que as entidades existem até quando quiserem, não se é direito estar lá, quanto que uma escola não fecha porque o Diretor está cansado dos alunos, educação é direito garantido constitucionalmente.
E ai Didis, e ai Xuxas, o que foi construído do patrimônio de vocês foi a base de doação? O que os donos das grandes empresas têm foi a base de doação? Se não sonegassem tanto imposto de renda (imposto contributivo, quem ganha mais paga mais, quem ganha menos paga menos e quem ganha nada não paga nada) talvez o nosso país seria muito mais justo, mas enquanto isso vamos mudá-lo com nosso amor, assistencialismo, carinho e solidariedade? Essa corrente não terá minhas mãos.
Leonardo Koury Martins