meu retrato na tua carteira
Era um tempo de dar foto ao amado. De pôr foto do amado na carteira. Era um tempo de paciências de tardes sem fim. Hoje tenho todo o tempo e nenhuma foto pra guardar comigo, nenhuma foto. Tenho imagens demais, mensagens demais, minha caixa de correio me causa angústia às vezes. Eu queria somente uma carta de papel após dias de espera. Mas não é mais possível. A vida se atropelou. Tantos meninos morrendo e eu, eu estou sobrevivendo aos jovens que se vão? Não faz sentido na minha ordem natural das coisas estas histórias. Preciso urgentemente dar um sentido aos acontecimentos.
E de tudo ficam os retratos, cópias das cópias. A minha foto verdadeira é imagem não identificável. Retrato esmaecido, qualquer semelhança com alguém que você conheça é mera coincidência. Esta sou eu hoje. Entretanto gostaria de ser redescoberta por alguém que se exilou de minha companhia. Onde andará você?
Eu te procurei por todos os sítios, repisei as velhas trilhas centenas de vezes, mas somente a tua vontade poderá fazer o milagre de um reencontro, pois não há teconologia que chegue a tempo para nos socorrer quando não existe o fundamental que é a vontade, ou se algum amor havia, algum tênue sinal de ternura ou desejo, aonde ficou guardado? Na tua memória de nós, nos emails, no gosto de beijo trocado em êxtase ou em desespero de despedida?
Queria a minha foto na tua carteira, simples assim. E num dia qualquer de céu estonteantemente azul, ser somente aquela que passeia contigo pela rua, de mãos dadas e distraída. Antes que o tempo nos trague, nos torne definitivamente poeira e esquecimento...