Conversando com os Pombos da Praça da Catedral

          
          
Ah, que saudade de Raimundo Correia, o poeta dos pombos! Ele sim nos entendia... Hoje, o que mais ouvimos aqui são blasfêmias contra nós: “Malditos pombos que fazem tanta sujeira!”. Como se nós não tivéssemos o direito de defecar aqui...

- É como estava lhe dizendo, amiga, se as coisas caminharem do jeito que vão, nosso fim está perto.

- Calma, não sejam tão pessimistas.

- Não é questão de pessimismo não. Já estão até falando em cortar as árvores da praça só para impedir nossa permanência aqui.

- Isso não passa de boato de pessoas que não sabem o que falar. Não podem acreditar em tudo que ouvem senão acabam ficando loucos.

- Já estamos ficando, amiga, já estamos...

- Calma, vamos tentar resolver o problema da melhor maneira possível.

- Não será fácil vencer essa batalha. A ambição pelo dinheiro é muita e poucos são os homens de boa vontade!

- Será difícil, concordo, mas não impossível. Primeiro, qual a sugestão de vocês para resolver esse problema?

- Muito simples! Que removam para outro lugar todas as barraquinhas dessa Feira de Artesanato e acabem com o estacionamento dessa rua interna da praça que fica bem em frente da porta da Catedral.

- É isso! Existem muitas ruas e estacionamentos pelos arredores onde podem estacionar tranqüilamente e deixar esse espaço só pra nós.

- Além disso, se todo esse pessoal for pra outro lugar, não haverá mais tantas blasfêmias contra nós e poderemos até ajudar, com nossa matéria orgânica, a essa terra seca daqui.

- A grama e as flores renascerão fortes e o jardim ficará mais bonito!

- A limpeza será mais fácil de ser realizada e o espaço ficará mais alegre e poético!

- Ficará mesmo! E afinal de contas sempre estivemos aqui e, pela Lei Divina, esse espaço nos pertence. Não usaram até nossa imagem para representar o Espírito Santo? Basta entrar aí na Catedral pra ver.

- Por que então querem nos expulsar do lugar que mais nos aproxima de Deus?

- Somos aves pacíficas e não pedimos nada a não ser que nos deixem nesse espaço que é nosso, por Lei Divina! Diga isso ao povo, por favor!

     - Está bem, amigos, direi! Ou melhor, não apenas direi... Suplicarei! 


     Do Livro: "Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas" - Pág. 27