Mentira.
Algumas personagens desejam falar através de minhas palavras e para isso puxam a minha saia, pulam em minha frente, oferecem doces, choram e até esperneiam.
Sempre dei voz as que choram e as que esperneiam. Elas me comovem e cedo fácil às emoções, mas hoje não estou nessa sintonia.
Gosto das animadinhas, mas essas não precisam da catarse que faço quando escrevo. Tento explicar isso a elas, que insistem em aparecer. Como estou aprendendo a dizer não, aproveito para me exercitar e lhes dou nãos bem redondinhos, ainda com um tiquinho de culpa, mas com menos desconforto.
Mais além vejo uma mulher sentada de pernas cruzadas, com uma mão no queixo e o braço apoiado na coxa. A outra mão segura um livro que ela não parece ler.
Esse detalhe não me escapa e põe em cheque a roupa certa e o ar blasé de quem não está nem aí diante daquele tumulto. Observo que os seus lábios apertados parecem aprisionar sentimentos e nesse esforço inconsciente ela força o maxilar esticando os músculos da face.
Pergunto se quer falar alguma coisa. Ela diz que não tem nada interessante para falar, mas sem dar uma pausa sequer, começa a falar do livro sério que está lendo, do cepticismo com o qual assistiu ao último filme de Vanessa Redgrave e que a música do seu momento é O Samba do Grande Amor de Chico.
Continua o discurso dizendo que hoje é uma mulher sem ilusões e que daqui para frente pensará a vida por esse prisma.
Dou-me por satisfeita e agora que as outras personagens parecem ter desistido de chamar a minha atenção, finalizo com a mesma palavra que encerra o samba de Chico e que dá título a esse texto.