Alegres periquitos
1. Ontem, ao cair da tarde, recebi uma daquelas visitas que a gente reza para que ela nunca se vá; que fique para sempre.
2. Estava mergulhado nas páginas de O Inimigo do Rei, um livro do escritor Lira Neto sobre o romancista cearense José de Alencar, quando ouvi Ivone, quase aos gritos, dizer: - "Venha ver! Venha ver!"
3. Encontrei-a na minha varanda; e, juntos, vimos alegres periquitos pousando, suavemente, nas verdes e frondosas amendoeiras que cercam meu edifício. Antes de se agasalharem, cantando e em voos rasantes, eles enfeitavam meu crepúsculo!
4. Fiquei extasiado. Na capital, nunca vira tantos periquitos juntos; mais de duzentos. Eles brincavam no céu do meu bairro onde só passeiam pombos, com seus arrulhos denunciadores, e perigosos gaviões.
5. Vendo os periquitos se divertindo, fui buscar, nas minhas mais distantes relembranças, a seiva que precisava para escrever esta crônica.
6. Um dia, meu pai comprou um terreno, no interior do Ceará. No terreno ele encontrou, já crescidos, mais de cem pés de caju e um extenso milharal. Tinha uma casa e uma pequena lagoa, frequentada por delicadas jaçanãs.
7. Minha mãe, devota de Nossa Senhora, deu ao terreno, que logo virou uma chácara, o nome de Betânia, lembrando a cidade da Judéia onde Jesus vadiara quando era criança. Ela dizia que a sua Betânia era o novo paraíso terrestre.
8. Eu, um meninote esperto, achava que a Velha exagerava. Aprendera no Catecismo que, no paraíso, Eva e Adão andavam nus; e que de sua nudez, não se davam conta!
9. Na Betânia de minha mãe eu só vira uma pessoa nua: a cabocla Carmélia, jovem e bonita, de pernas torneadas e seios túrgidos, filha do bom caseiro, a quem meu pai confiara a guarda da nossa roça de milho e a poda dos cajueiros, cujos galhos, imensos, chegavam a beijar o chão.
10. Hoje, pagando caro pelo suco de caju, e uma nota preta pelo milho no são-joão, vejo que minha mãe tinha razão quando chamava de paraíso terrestre aquele nosso modesto recanto sertanejo.
11. Lembro-me que, todos os dias, também ao cair da tarde, centenas de periquitos pousavam sobre a Betânia. Fazendo um infernal aranzel, eles procuravam as copas dos cajueiros, para o pernoite seguro e tranquilo.
12. Quando o sol nascia, eles levantavam voo cantando e atrevidos, pois, sem pedir licença, invadiam o milharal, provocando um incalculável estrago. Não adiantava espalhar espantalhos nos locais considerados estratégicos.
Eles não estavam nem aí para os bonecos coloridos que meu pai colocava entre os pés de milho. A gente não ficava zangado. Era proibido matá-los ou aprisioná-los. Meus pais não permitiam.
14. De tudo isso me lembrei, vendo os alegres periquitos do meu bairro fazendo, das amendoeiras de minha rua, seus aconchegantes dormitórios.
15. Quero que os alegres periquitinhos da Pituba me visitem mais vezes. Amanhã, na hora do crepúsculo, estarei com Ivone, na minha varanda, a esperá-los...
1. Ontem, ao cair da tarde, recebi uma daquelas visitas que a gente reza para que ela nunca se vá; que fique para sempre.
2. Estava mergulhado nas páginas de O Inimigo do Rei, um livro do escritor Lira Neto sobre o romancista cearense José de Alencar, quando ouvi Ivone, quase aos gritos, dizer: - "Venha ver! Venha ver!"
3. Encontrei-a na minha varanda; e, juntos, vimos alegres periquitos pousando, suavemente, nas verdes e frondosas amendoeiras que cercam meu edifício. Antes de se agasalharem, cantando e em voos rasantes, eles enfeitavam meu crepúsculo!
4. Fiquei extasiado. Na capital, nunca vira tantos periquitos juntos; mais de duzentos. Eles brincavam no céu do meu bairro onde só passeiam pombos, com seus arrulhos denunciadores, e perigosos gaviões.
5. Vendo os periquitos se divertindo, fui buscar, nas minhas mais distantes relembranças, a seiva que precisava para escrever esta crônica.
6. Um dia, meu pai comprou um terreno, no interior do Ceará. No terreno ele encontrou, já crescidos, mais de cem pés de caju e um extenso milharal. Tinha uma casa e uma pequena lagoa, frequentada por delicadas jaçanãs.
7. Minha mãe, devota de Nossa Senhora, deu ao terreno, que logo virou uma chácara, o nome de Betânia, lembrando a cidade da Judéia onde Jesus vadiara quando era criança. Ela dizia que a sua Betânia era o novo paraíso terrestre.
8. Eu, um meninote esperto, achava que a Velha exagerava. Aprendera no Catecismo que, no paraíso, Eva e Adão andavam nus; e que de sua nudez, não se davam conta!
9. Na Betânia de minha mãe eu só vira uma pessoa nua: a cabocla Carmélia, jovem e bonita, de pernas torneadas e seios túrgidos, filha do bom caseiro, a quem meu pai confiara a guarda da nossa roça de milho e a poda dos cajueiros, cujos galhos, imensos, chegavam a beijar o chão.
10. Hoje, pagando caro pelo suco de caju, e uma nota preta pelo milho no são-joão, vejo que minha mãe tinha razão quando chamava de paraíso terrestre aquele nosso modesto recanto sertanejo.
11. Lembro-me que, todos os dias, também ao cair da tarde, centenas de periquitos pousavam sobre a Betânia. Fazendo um infernal aranzel, eles procuravam as copas dos cajueiros, para o pernoite seguro e tranquilo.
12. Quando o sol nascia, eles levantavam voo cantando e atrevidos, pois, sem pedir licença, invadiam o milharal, provocando um incalculável estrago. Não adiantava espalhar espantalhos nos locais considerados estratégicos.
Eles não estavam nem aí para os bonecos coloridos que meu pai colocava entre os pés de milho. A gente não ficava zangado. Era proibido matá-los ou aprisioná-los. Meus pais não permitiam.
14. De tudo isso me lembrei, vendo os alegres periquitos do meu bairro fazendo, das amendoeiras de minha rua, seus aconchegantes dormitórios.
15. Quero que os alegres periquitinhos da Pituba me visitem mais vezes. Amanhã, na hora do crepúsculo, estarei com Ivone, na minha varanda, a esperá-los...