Desabafos de um Rio

        - É o que estou lhe dizendo... muitas pessoas não me respeitam ou não conseguem me entender, sei lá.

Não entendem, por exemplo, que gosto de ser do jeito que sou, que gosto de ser livre, seguindo tranqüilo o curso de minha vida.

Não me preocupo com luxo, pois meu único objetivo é apenas correr... correr... correr...

Gosto de correr pelos campos e também pelas cidades, mas acontece que ao atravessá-las enfrento problemas terríveis!

Muitas pessoas no afã de agradar-me acabam criando uma grande confusão.

Elas me trazem sofás, guarda-roupas e toda espécie de utensílios domésticos, enfim.

Talvez, à sua maneira, seja um jeito de presentear-me já que passo por sua cidade. Mas eu não preciso disso... Não preciso mesmo!

São presentes inúteis que teriam mais utilidade se fossem doados a outros setores municipais, o da Limpeza Pública, por exemplo!

Eu lhe pergunto: o que vou fazer com um guarda-roupas se não tenho roupas pra guardar? O que vou fazer com um sofá se jamais páro pra me sentar?

Por favor, diga a essas pessoas que não preciso de nada, ou melhor, a única coisa que preciso é de mais espaço livre para seguir adiante.

Ah, e aos vândalos que me agridem lançando em mim toda espécie de lixo, diga-lhes também que sou de natureza pacífica, e só luto pela minha sobrevivência porque quero chegar puro e vitorioso um dia ao Grande Oceano, de acordo com as leis do Grande Arquiteto do Universo! Que estou lutando pra ser um rio perfeito!

Não quero me revoltar contra essas pessoas, mas, às vezes, minha indignação é tanta que tenho que reagir para não morrer sufocado. E quando isso acontece, nem eu mesmo me reconheço!

Me transformo num monstro destruidor! Invado casas, destruo móveis e tudo que encontro pela frente!

Destruo até avenidas, praças e ruas, deixando nelas tudo que é desprezível e que está acumulado no meu íntimo! É meu grito de revolta!

Agora me diga: tenho ou não tenho razão?

Se alguém vem lhe enchendo a cabeça com problemas que não lhe dizem respeito, não chegará uma hora que dará um basta a tudo? É o que faço também!

Enquanto essas pessoas não aprenderem a me respeitar e a entender que a única coisa que preciso é mais espaço livre para correr, continuarei a agir assim, pois não vejo outra maneira de lutar pela minha sobrevivência.

Por favor, alerte as pessoas de sua cidade!

Se as coisas continuarem como vão, não responderei por mim, pois já estou entalado até a boca.

Muito obrigado por me ouvir!

  Do Livro: "Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas" - Pág. 33