ACONCHEGO

“São casas simples

Com cadeiras na calçada

E na fachada

Escrito em cima que é um lar

Pela varanda

Flores tristes e baldias

Como a alegria

Que não tem onde encostar”

(Gente Humilde, de Garoto)

Tem uma crônica minha chamada Esquisitices, onde trato de um tema que muito me apraz: o comportamento das pessoas da porta para fora de suas casas. Isso pode me livrar da pecha de fofoqueiro porque não falo de ninguém em particular. Por outro lado, pode me carimbar como boca nervosa por falar genericamente de todo mundo. Eu afirmei que as pessoas que se mudam do interior para a cidade grande em vez de influenciarem nos modos de ser da cidade, acabam absorvendo dela seus modos de ser, a meu ver menos amistosos do que os hábitos que elas possuíam antes.

Na antiguidade havia muitas invasões e o povo dominado depois de muito apanhar como escravizado que se tornava, influía significativamente nas hordas de bárbaros sem modos nenhum de civilidade depois que passavam a conviver no mesmo lugar. Uma espécie de tapa de luvas sem intenção.

Morei no interior, vim para a capital, voltei para o interior e voltei novamente para a capital. Nessa peregrinação laboriosa deu para observar muita coisa interessante. As pessoas na cidade grande já estão chegando naquele estágio onde um desejo de bom dia, em vez de alvíssaras, está se tornando uma provocação. Abordar alguém para pedir uma informação pode se tomar uma porta na cara, uma despistada ao celular, uma cara de paisagem ou a transformação do abordado na própria paisagem, poste, por exemplo. Isso sem falar nos xingamentos eternos no trânsito, nas faltas de educação no comércio, nas casas fortificadas que, se a gente precisar pedir uma água, morre de sede na maioria dos casos. Tem muita falta de educação, por exemplo, escondida por trás da desculpa de medo da violência urbana.

No interior não quer dizer que as pessoas não tenham seus medos e desconfianças; hoje em dia isso está contaminando irremediavelmente a sociedade, mas lá ainda é uma escola de delicadeza e generosidade humanas. A minha companheira de viagem da última que fiz ao interior, que pouco conhece fora de Belo horizonte, precisou entrar numa casa próxima da entrada da cidade para ir ao banheiro. Não aceitou fazer no mato de jeito nenhum, nem encarar os banheiros de beira de estrada, que equivalem a um potencial de insalubridade em escala exponencial. Demorou tanto que cheguei a pensar que fosse uma daquelas dores e barriga intermináveis. Fui até lá bater á porta para saber o que se passava. Para minha surpresa, estava num animado bate papo com a dona do lar, numa mesa com um café, bolo de fubá, queijo e uns biscoitinhos caseiros. Uma delícia que acabei provando ao mesmo tempo em que a avisava do horário de nosso compromisso. Muito contrariada, ela se despediu da senhora aos beijos a abraços entusiasmados. No carro me disse se sentir a pessoa mais importante do mundo, pelo tratamento tão hospitaleiro que recebeu e na volta deveríamos passar lá novamente para agradecer mais um pouquinho ao jeito que ela chamou de simples daquela boa mulher, mesmo eu dizendo que isso era muito comum. Acho que isso alterou alguma coisa no modo dela enxergar as relações humanas. Toda vez que a vejo novamente ela não deixa de tocar no assunto com uma satisfação a olhos vistos.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 04/08/2010
Código do texto: T2417390
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