Vencendo as amarras
Se a piada é boa a gente ouve até o fim, do contrário, olha sempre do lado, ergue uma das mãos em sinal de “espere”, dá meia volta e deixa o piadista falando sozinho. É a vida. Estamos sempre escolhendo o que ouvir, nem sempre escolhendo o que dizer, infelizmente. Em geral, “falamos aos tubos”. Não é de se admirar que de vez em quando alguém erga uma das mãos para nos pedir pausa. Foi mais ou menos assim, que ouvi pela primeira vez a voz de Miúcha.
Miúcha é uma dessas pessoas que encantam à primeira vista, pelo porte, pelo sorriso franco, pela leveza que imprime em suas conversas, pela seriedade com que trata a vida, sem se deixar levar pelas torrentes. Estava eu fugindo de uma piada sem graça quando deitei o olhar na figura simpática de Miúcha (que veio em meu socorro sorrindo).
- Você já conhece a piada, não? Disse, me puxando pelo braço. Foi o bastante para engatar uma conversa sincera e proveitosa.
Miúcha contou que estava de mudança da cidade. Separa-se do segundo marido e tinha planos para colocar em prática. Pela forma como ela colocou a questão, pensei que a separação partira dela.
-Que nada, disse. Ele enrabichou pela secretária.
-E você? Perguntei.
- Eu nada. Vou cuidar da minha vida, respondeu.
Pensei que uma separação fosse coisa mais difícil, argumentei. E é, respondeu.
Passou então, a relatar que na primeira vez que se separou por conta também de uma traição, chorou, ficou doente, caiu prostrada até ser encaminhada por familiares a um hospital psiquiátrico onde passou por longo tratamento anti-depressivo.
Miúcha me disse algo que ficou marcado aqui dentro. “Uma dor nunca é igual à outra”. E a gente nunca recebe a mesma notícia da mesma forma. Tudo depende de como estamos interiormente. Hoje estou mais preparada para a vida. Aprendi a gostar mais de mim do que dos outros. Jamais me deixaria adoecer novamente, não mereço isso. Quem errou não fui eu, mas vou aprender com tal erro, enfatizou. Como? Perguntei. Escrevendo um livro, disse ela muito convicta.
Não vejo Miúcha há algum tempo, mas sei que escreveu o tal livro e, se aprendeu algo com o “erro do ex marido”, foi a ganhar dinheiro. Contando a própria história e como lidou com a segunda separação, se colocou na linha de escritores de auto-ajuda. Soube que ela está dando continuidade ao estilo e, deve continuar produzindo boas obras, afinal “ela própria é uma obra completa e bem acabada”. Uma cabeça como poucas.
Quando alguém chega até mim para chorar as mágoas eu conto a história de Miúcha. As pessoas que ouvem acham que estou contando uma piada e riem. Como piada é boa, mas é melhor como fato. Minha amiga, quando da primeira separação, foi internada em hospital psiquiátrico; depois da segunda separação, escreveu um livro.
A história de Miúcha nos remete à psicologia. Estamos sempre prontos para encarar as coisas quando estamos prontos para encarar a nós mesmos.
Por Irami Gonçalves Fernandes Martins