Raul Seixas em Meu Consultório
16/09/2006 11h37
Raul Seixas em meu Consultório
Clevane pessoa de Araújo,beloHorizonte,16/09/2006
Meu paciente,dos Anos 90, adolescente, bonito e doce,com o rótulo de agressivo, mal estudante e tudomais que odesabonasse, chegava no consultório e tentava,ao máximo chocar-me>convidava-me para fumar maconha.Sentava-se no chão.Dizia todos os palavrões e gírias para contar seu relacionamento difícil(difícil mesmo) familiar.Eu ficava impassível, para que ele ganhasse espaço."Se você vai fumar, vou sair um pouco,dizia-lhe.Aqui não é lugar para você puxar fumo".Olhava-me espantado;.Onde estavam os sermões,os conselhos sobre drogadicção?'Mais tarde, conversaríamos muito muito sobre o assunto.Sobre os perigos do transporte da erva.Vi que ele gostava de leis .Expliquei-lhe que não havia diferença entre e usuário e traficante para a polícia, porque se você está andando para lá e para cá com o bagulho,é uma forma de tráfico.Gosto muito de histórias como parábolas.Conto-lhe de outros jovens que penaram em cadeias, por exemplo em Barbacena.Sem dizer o nome,claro.E a história sendo introduzida,naturalmente,em outro contexto.Desarmaeinteressa.
Se o psicólogo fizer o mesmo que osdemais adultos fazem,perde a pessoaem formação.Ela quer um ouvido amigo.Muitas vezes, colo.Mas enredos de vida,sempre interessam.O raciocínio fecha as gestalts.Ajuda a preparar terreno para os limites.E é sempre bom lembrar que ensinar limites não é impor limitações...
Com a namorada da hora,ia para o Parque das Mangabeiras,fumar o bagulho com a namorada .Ele acreditou apenas quando foi preso.Voltava de São Tomé das Letras com os amigos, quando o carro foi parado e o porta-malas revistado.A erva ,um amigo comprara lá e ele não sabia quelá estava, na mochila do outro.A essas alturas, acreditei, pois ele já estava num estágio tranqüilo:menos cerveja, maior controle.A mãe pagouk, na época , 500,00 para que não passasse a noite preso.então, ele acreditouqueela o amava.
Nas estratégias de avanços e recuos, para mostrar o quanto a mãe não o compreendia, passou uma sessão falando-me do Maluco Beleza, morto em 1989.Possuía um Cd clandestino(em suacasa).A mãe achava que Raul Seixas seria um influência ruim.
Na sessão seguinte, traz-me o livro do Raul.Deixa-o emprestado comigo.Fica encantado quando digo que tive um igual e que emprestei, queria reler.
Nos dávamos muito bem, eu gostava da pessoa sensível e sofredora que ele era.Sabia que seu potencial de caráter era muito bom.
Ele,sem pai(a mãe ficou viúva grávida dele), identifica-se com o cantor, que também não gostava de estudar.os pais geralmente, não dão muita impoetância aos conflitos dos adolescentes, mas quandohá problemas na escola,sãochamados pela escola e correm para o psicólogo.A mãe dele, noentanto, o amavaprofundamente, mas estava estudando e trabalhava,tendo pouco tempo para o rapazinho.Os tios o maltratavam.pelo menos,esse assimos percebia,como castadrores.Um chegou a escarrar dentro de sua boca.
A psicoterapia começou a rolar em torno do livro e da vida de Seixas...Conto-lhe que em 1978,Raul tevede se internar,para tratar sua pancratite, que o alcoolismo estava lhe prejudicando a carreira.O cantor ,já morto(tão vivo!)era presença ali no consultório.Análise daqui e dali, o certo é que, à época do vestibular,centrado e tranqüilo, passou, fez Direito, hoje é advogado.
Quando teve alta,já que não escondia mais o bagulho na sola do tênis, inconscientemente querendo que a empregada achasse e contasse à mãe viúva,não bebia mais desbragadamente,devolvi-lhe o livro e o CD.
Nestes quinze anos da ida de Raul Seixas desta Terra, conto esse caso clínico,decodificadas as nuances científicas e sem entrar na análise propriamente dita,apenas qual curiosidade:Raul Seixas,redivido,um co-terapeuta,dentro de uma psicoterapia de apoio...
Quem viveu nos Anos 60,70 e 80, pode traçar os elos que explicam porqueRaul não é esquecido e foi tão amado.Sua arma era a palavra, o som, as atitudes.Representava milhares de jovens brasileiros.Livre, aliberdade uma conquista natural.Mesmo assim,foi para o exílio em 74, sem bagagem,expulso do Brasil, escoltado até o aeroporto.
Em 1986,Luisa de Oliveira fez com Raul memorável entrevista,e, respondendo-lhe como foi a experiência de ser preso em 1974,ele conta:
"Até hoje não sei realmente qual foi o motivo. Mas veio uma ordem de prisão do I Exercito e me detiveram no Aterro do Flamengo. Me levaram para um lugar que eu não sei onde era... tinha uns cinco sujeitos... bom. Eu estava... imagine a situação... Eu estava nu, com uma carapuça preta que eles me colocaram. E veio de lá mil barbaridades: choque em lugares delicados... tudo para eu poder dizer os nomes das pessoas que faziam parte da Sociedade Alternativa, que , segundo eles, era um movimento revolucinário contra o governo. O que não era. Era uma coisa mais espiritual... eu preferia dizer que tinha um pacto com o demônio a dizer que tinha parte com a revolução. Então foi por isso, me escoltaram até o aeroporto..."
Na época, motivos reais e palpáveis não eram necessários.Ser poeta, compositor, artista ,intelectual-e portantom, formador de opiniões,de per si, já um risco.Nessa épocas(anos 60/70, fui repórter em Juiz de Fora e sei bem como era toda essa incoerência)às vezes, o mais careta, o mais neutro,era preso e torturado.Muitos líderes, da resitência, atravessaram os Anos de Chumbo camuflados.Mas muitos viveram na clandestinadade ("e pelas praças não terá nome"...)
O certo é que tudo era proibido, especialmente...dizer e pensar.O que mais fez o "Maluco Beleza";dizer.E ser.Suas armas.(Veja outras páginas do blog sobre ele).
Clevane Pessoa de araújo lopes, belo Horizonte, Mg,16/09/2006
Fonte do trecho da entrevista:http://www.jayvaquer.com/raul/index2.html
(um site completo, com menu muito bem organizado sobre Raul que nasceu em 28 de junho de 1945).
Visite!
Publicado por clevane pessoa de araújo em 16/09/2006 às 11h37
Seja o primeiro a comentar
Indique esta leitura para amigos
Copyright© 2005 by ClevanePessoa. Todos os direitos reservados.Criado e hospedado por Recanto das LetrasPágina atualizada em 16.09.06 12:26
16/09/2006 11h37
Raul Seixas em meu Consultório
Clevane pessoa de Araújo,beloHorizonte,16/09/2006
Meu paciente,dos Anos 90, adolescente, bonito e doce,com o rótulo de agressivo, mal estudante e tudomais que odesabonasse, chegava no consultório e tentava,ao máximo chocar-me>convidava-me para fumar maconha.Sentava-se no chão.Dizia todos os palavrões e gírias para contar seu relacionamento difícil(difícil mesmo) familiar.Eu ficava impassível, para que ele ganhasse espaço."Se você vai fumar, vou sair um pouco,dizia-lhe.Aqui não é lugar para você puxar fumo".Olhava-me espantado;.Onde estavam os sermões,os conselhos sobre drogadicção?'Mais tarde, conversaríamos muito muito sobre o assunto.Sobre os perigos do transporte da erva.Vi que ele gostava de leis .Expliquei-lhe que não havia diferença entre e usuário e traficante para a polícia, porque se você está andando para lá e para cá com o bagulho,é uma forma de tráfico.Gosto muito de histórias como parábolas.Conto-lhe de outros jovens que penaram em cadeias, por exemplo em Barbacena.Sem dizer o nome,claro.E a história sendo introduzida,naturalmente,em outro contexto.Desarmaeinteressa.
Se o psicólogo fizer o mesmo que osdemais adultos fazem,perde a pessoaem formação.Ela quer um ouvido amigo.Muitas vezes, colo.Mas enredos de vida,sempre interessam.O raciocínio fecha as gestalts.Ajuda a preparar terreno para os limites.E é sempre bom lembrar que ensinar limites não é impor limitações...
Com a namorada da hora,ia para o Parque das Mangabeiras,fumar o bagulho com a namorada .Ele acreditou apenas quando foi preso.Voltava de São Tomé das Letras com os amigos, quando o carro foi parado e o porta-malas revistado.A erva ,um amigo comprara lá e ele não sabia quelá estava, na mochila do outro.A essas alturas, acreditei, pois ele já estava num estágio tranqüilo:menos cerveja, maior controle.A mãe pagouk, na época , 500,00 para que não passasse a noite preso.então, ele acreditouqueela o amava.
Nas estratégias de avanços e recuos, para mostrar o quanto a mãe não o compreendia, passou uma sessão falando-me do Maluco Beleza, morto em 1989.Possuía um Cd clandestino(em suacasa).A mãe achava que Raul Seixas seria um influência ruim.
Na sessão seguinte, traz-me o livro do Raul.Deixa-o emprestado comigo.Fica encantado quando digo que tive um igual e que emprestei, queria reler.
Nos dávamos muito bem, eu gostava da pessoa sensível e sofredora que ele era.Sabia que seu potencial de caráter era muito bom.
Ele,sem pai(a mãe ficou viúva grávida dele), identifica-se com o cantor, que também não gostava de estudar.os pais geralmente, não dão muita impoetância aos conflitos dos adolescentes, mas quandohá problemas na escola,sãochamados pela escola e correm para o psicólogo.A mãe dele, noentanto, o amavaprofundamente, mas estava estudando e trabalhava,tendo pouco tempo para o rapazinho.Os tios o maltratavam.pelo menos,esse assimos percebia,como castadrores.Um chegou a escarrar dentro de sua boca.
A psicoterapia começou a rolar em torno do livro e da vida de Seixas...Conto-lhe que em 1978,Raul tevede se internar,para tratar sua pancratite, que o alcoolismo estava lhe prejudicando a carreira.O cantor ,já morto(tão vivo!)era presença ali no consultório.Análise daqui e dali, o certo é que, à época do vestibular,centrado e tranqüilo, passou, fez Direito, hoje é advogado.
Quando teve alta,já que não escondia mais o bagulho na sola do tênis, inconscientemente querendo que a empregada achasse e contasse à mãe viúva,não bebia mais desbragadamente,devolvi-lhe o livro e o CD.
Nestes quinze anos da ida de Raul Seixas desta Terra, conto esse caso clínico,decodificadas as nuances científicas e sem entrar na análise propriamente dita,apenas qual curiosidade:Raul Seixas,redivido,um co-terapeuta,dentro de uma psicoterapia de apoio...
Quem viveu nos Anos 60,70 e 80, pode traçar os elos que explicam porqueRaul não é esquecido e foi tão amado.Sua arma era a palavra, o som, as atitudes.Representava milhares de jovens brasileiros.Livre, aliberdade uma conquista natural.Mesmo assim,foi para o exílio em 74, sem bagagem,expulso do Brasil, escoltado até o aeroporto.
Em 1986,Luisa de Oliveira fez com Raul memorável entrevista,e, respondendo-lhe como foi a experiência de ser preso em 1974,ele conta:
"Até hoje não sei realmente qual foi o motivo. Mas veio uma ordem de prisão do I Exercito e me detiveram no Aterro do Flamengo. Me levaram para um lugar que eu não sei onde era... tinha uns cinco sujeitos... bom. Eu estava... imagine a situação... Eu estava nu, com uma carapuça preta que eles me colocaram. E veio de lá mil barbaridades: choque em lugares delicados... tudo para eu poder dizer os nomes das pessoas que faziam parte da Sociedade Alternativa, que , segundo eles, era um movimento revolucinário contra o governo. O que não era. Era uma coisa mais espiritual... eu preferia dizer que tinha um pacto com o demônio a dizer que tinha parte com a revolução. Então foi por isso, me escoltaram até o aeroporto..."
Na época, motivos reais e palpáveis não eram necessários.Ser poeta, compositor, artista ,intelectual-e portantom, formador de opiniões,de per si, já um risco.Nessa épocas(anos 60/70, fui repórter em Juiz de Fora e sei bem como era toda essa incoerência)às vezes, o mais careta, o mais neutro,era preso e torturado.Muitos líderes, da resitência, atravessaram os Anos de Chumbo camuflados.Mas muitos viveram na clandestinadade ("e pelas praças não terá nome"...)
O certo é que tudo era proibido, especialmente...dizer e pensar.O que mais fez o "Maluco Beleza";dizer.E ser.Suas armas.(Veja outras páginas do blog sobre ele).
Clevane Pessoa de araújo lopes, belo Horizonte, Mg,16/09/2006
Fonte do trecho da entrevista:http://www.jayvaquer.com/raul/index2.html
(um site completo, com menu muito bem organizado sobre Raul que nasceu em 28 de junho de 1945).
Visite!
Publicado por clevane pessoa de araújo em 16/09/2006 às 11h37
Seja o primeiro a comentar
Indique esta leitura para amigos
Copyright© 2005 by ClevanePessoa. Todos os direitos reservados.Criado e hospedado por Recanto das LetrasPágina atualizada em 16.09.06 12:26