Amigo é coisa...
“Vendo Monza 86, inteiro, lindo, lindo!” Foi com este anúncio que fiquei um domingo inteiro à disposição de um certo amigo meu. Às 6h30 da manhã o telefone toca. Tropecei numa cadeira, soltei um palavrão e atendi:
_ Alô.
_ É daí que “tão” vendendo um Monza?
_ Claro! Não é esse o número que está no jornal, “pô”?
O cara desligou o telefone achando, provavelmente, que eu era grosso. Eu sou?!
Outra ligação, mais outra e outra. Como não tinha jeito fui chamar meu amigo (o dono do carro) na quadra 17. O princípio das dores estava apenas no começo. Uma chuva fina teimava em cair, o Monza, a álcool, insistia em não pegar e tivemos que, debaixo da chuva chata, empurrá-lo até a quadra 09.
_ O problema dele é bateria. Diagnosticou com precisão o suposto mecânico. Eu não entendi o parecer técnico do cara, já que ele consertava geladeiras.
Resolvido o problema elétrico, ficamos o dia todo tentando “empurrar” o produto. Clientes satisfeitos, outros nem tanto e eu lá de secretária com direito a mentira e tudo.
_ Mas “tá” bem conservado, mesmo?! Perguntava algum pretendente.
_ Está inteiro. Motor zero, lataria sem avarias. Só o estofado está assim... Como se diz? Meio rasgado, mas você sabe como é, “né”? Carro velho sempre precisa de uma coisinha.
O dia foi acabando, nenhuma perspectiva de venda. Dezessete horas meu amigo desistiu. Foi para casa dormir um pouco (ele estava muito cansado!) e o objeto do desejo ficou ali, parado na minha porta a espera de um novo dono. O diabo era achar esse “sortudo”.
Surgiu uma esperança. Um cidadão ligou e se interessou pela “máquina”. Em Brazilinha ele tomou um táxi e depois de gastar uma nota achou o endereço. Analisou, olhou, refletiu, fez cara de intelectual, olhou de novo, abriu a tampa do motor, olhou por dentro, por fora, pros lados, em cima, enfim....
_ É meu.
Lá fui eu correndo até a 17. O irmão desse meu grande amigo veio em meu socorro, pois o meu amigo estava ausente no momento. Segundo sua santa mãezinha, ele tinha ido resolver um problema sério. Como se o carro dele não fosse o mais sério de todos os problemas, naquele momento. Mas voltemos ao Monza.
Mais tormentas. Subindo a barragem o carro acabou o combustível. E estávamos indo a um posto de combustível, já que na nossa cidade não tínhmos essas mordomias, na época.
_ Vamos empurrar – sugeriu o Melque, o irmão do meu amigo dono do carro.
_ Na subida da barragem?! Desista, amigo.
Uma carona até o posto da QI 29 e a chave do carro some. Acredite, a chave sumiu. Outra carona e achamos a chave. Passamos o batalhão da PM e o capô do “Monza inteiro, lindo, lindo” resolveu dar um show. Simplesmente levantou e voou em direção ao parabrisas, e claro, causou pânico na esposa do comprador, que se diga de passagem, era dono de uma paciência incrível. O Melque tentou acalmar os ânimos e botar tudo no lugar. Eu bem que quis rir, mas me contive e disse apenas: “são coisas que acontecem”. Eu sei que a frase foi estúpida, mas o que eu ia dizer, a mulher do cara já estava com os nervos em frangalhos?
Findou-se o dia, tudo resolvido e fato consumado. Sentamos no Gil Lanches (um antigo "point" na praça central) e uma cerveja bem gelada selou aquele fantástico negócio.
Boas risadas foram o saldo positivo, aliás o único, daquele domingo.
“Amigo é coisa prá se guardar”, ainda que nessas situações.
Uma homenagem a Carlos Antoneto de Souza Lima, o Garibel, meu amigo