O Triste Fim da Infância Inocente
O Triste Fim da Infância Inocente
Jorge Linhaça
Hoje fui surpreendido pelo convite de um amigo para fazer e
soltar um balão. Declinei e procurei fazê-lo entender que balões hoje
são considerados crimes ambientais.
Nesta época do ano, aproveito para vender pipas, rabiolas e
linha para a criançada aqui do meu pedaço. Volta e meia algum me
pergunta sobre o tal cerol ( no meu tempo se chamava cortante ) e
minha resposta é a mesma, é crime empinar pipa com cerol...
Tempos atrás comprei alguns piões para revender...acreditem,
hoje eles vem sem ponta pois é proibido comercializá-los com seu
antigo bico, que hoje foi substituído por uma semi esfera...
Confesso que isso deu-me saudades de meus tempos e me fez
refletir sobre nossos antigos folguedos , hoje "devidamente"
criminalizados.
Confesso que faz anos que não vejo uma criança soltar um
balão...não esses monstrengos do tamanho de prédios, manufaturados por
adultos irresponsáveis, mas aqueles "enormes" de 10; 12; 18; 24 ou 32
folhas que já nos pareciam gigantescos.
Lembro-me que as bocas desses balões eram feitas com arame de
pneus velhos que eram queimados para retirá-los, ou mesmo de pedaços
de arame farpado que tinha de ser livre das farpas que lhe dão o nome.
A tocha era feita de um pedaço de estopa embebida em breu ou
parafina...a aventura começava dias antes do balão alçar vôo com o
corte e colagem das folhas de seda. as mesmas usadas para fazer pipas.
Os nossos balões iam adquirindo diferentes formatos de acordo
com a maneira como as folhas eram recortadas...haviam balões estrela,
tangerina, mexerica, caixa, pião, carrapeta, chinesinho etc.
Como as tochas não eram tão grandes assim, o risco de causar
algum dano ambiental ou ao patrimônio era mínimo, mesmo que o tal
balão caísse ainda aceso sobre um telhado a tocha não tinha a
capacidade de iniciar um incêndio. Nas noites de junho era lindo olhar
para o céu e ver a quantidade de balões que salpicavam os céus
misturando-se às estrelas.
Os pipas com cerol raramente causavam algum acidente já que o
número de motociclistas era mínimo...e não costumavam andar feito
loucos por qualquer ruazinha...empinar pipas era um duelo de
habilidades ( ainda é, pois apesar da proibição a garotada continua a
fazer seu próprio cerol ) onde a luta era para ser o último a
permanecer nos céus entre tantas linhas cruzadas , debicadas e
piruetas.
" Cortar e aparar" era o "sumum bonnum" da
brincadeira...trazia-se como troféu o pipa adversário, abatido e
capturado em pleno céu.
Já quanto aos piões, o desafio maior era quebrar o pião do
oponente com o bico do nosso...isso podia ser feito com os peões
repousando na cela ou em pleno movimento. Claro que para isso , cada
um procurava deixar o bico de seu peão cada vez mais afiado.
Os tempos mudaram, as cidades cresceram e as inocentes
brincadeiras foram adquirindo ares de vilãs neste mundo moderno onde
os vídeo-games ensinam a atirar e matar os adversários...concordo que
no caso dos balões a coisa fugiu do controle, não por culpa da
garotada que perdeu seu brinquedo, mas por conta de adultos
megalomaníacos que acham que balões de "são João" precisam ser vistos
a quilômetros de distância...tornaram-se algo realmente perigoso para
todos, basta ver fotos dos monstros na internet, tem alturas incríveis
, equivalentes a prédios de vários andares, carregam cangalhas de
fogos feitas de ferro de construção soldados, as bocas dos tais balões
são capazes de engolir pessoas e são cheios na base de maçaricos, como
se fossem feitos para carregar pessoas. Claro que isso faz com que
tais balões voem cada vez mais alto e mais longe levando o perigo além
do alcance dos seus artífices.
Quanto aos pipas, pouco se pode falar, além do perigo para
ciclistas e motoqueiros...faz muito tempo que nem se ouve falar de
algum acidente com a rede elétrica, o que nos aterrorizava na época.
É realmente uma pena que tais brinquedos vão se perdendo no
tempo e na marginalidade como os balões. Outros não vejo mais , apesar
de não serem proibidos, como a Cabra-cega, o pique-esconde,
as queimadas de rua, mãe-da-rua, rio-vermelho, mãe-da-lata,
pula-sela ou "carniça" com todas as suas variações...
A inocência vai se perdendo e os folguedos também...
Hoje a adultização das crianças as impedem de serem crianças,
qualquer menininha já quer agir como mulher, qualquer garotinho já
quer ser o "pegador" do pedaço...
Resta saber se estamos em franca evolução ou em franca decadência
da sociedade.
abraços
Jorge Linhaça
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Arandu, 31 de julho de 2010