A PRIMEIRA VEZ

Estava a lembrar da primeira vez. O dia em que despira o véu da pureza, na sensação de que os princípios e os limites foram violados. Mas o corpo e o coração não têm razões. Apenas instintos. Eles não compreendem esses princípios que criam fachadas em sentimentos. Entretanto, dias antes da primeira vez, tivera a certeza segura de que não se entregaria antes das núpcias. E elas nem estavam nos planos daquele idílio. Mas havia a promessa velada de que guardaria a primeira vez para ele. Ele pedia isso através do desejo que se punha em seu olhar. O riso maroto que sorria de sua ingenuidade. As promessas ocultas nesse mesmo olhar e sorriso.

Ah! Se as sombras falassem... A luz do luar resvalando nos muros e fazendo sombras que escondiam seus rostos afogueados. Essa penumbra que denunciava o querer naqueles fins de noite após a aula. O seu querer... Perdido que estavas nessa luta de conquista. O mundo como se não existisse coberto de luar e tênues luzes de desejos, nessas mesmas e outras tantas noites de imprecisos momentos e movimentos traduzidos numa só partilha. Mas ela ainda a esquivar-se, nos princípios ditados e talvez estúpidos. Mas o íntimo querendo desvendar os segredos.

Mas ela sabia que seria dele. Lembrava dessa insistência em fazê-la sua. E se perdiam em beijos abertos e consentidos, juntando-se nos repetidos silêncios de um toque, numa intimidade que já os faziam quase um. Lembrava-se disso e outros tantos momentos que antecederam a primeira vez. Inexprimível e quase certo. Porque as suas almas já se pertenciam. A posse do corpo era só uma questão de tempo...

Até que naquela noite... Eram já expressões de Natal que levavam pessoas às ruas a cruzar sonhos e vitrines enfeitadas. Mas naquele momento era só ele e ela na transubstanciação dos corpos que falavam na penumbra de uma pequena sala num sofá marrom e listado... No desfilar de mãos e esvaziar de princípios, bocas que falavam a linguagem do desejo numa igualdade que confundia. Não se importavam com as chuvas de dezembro lá de fora ou o desfilar de pacotes coloridos de um quase Natal.

Ele a teve. Sem promessas. Apesar dos princípios. Com a doçura e o cuidado da primeira vez. E a certeza oculta de um futuro que ainda pouco importava. Eram eles guardados nos reflexos dessas descobertas, nos limites não ponderados nesses espaços que não se escrevem. Depois seguiram o destino de se amarem nessa mesma transubstanciação de corpos e alma. O destino os levou através do tempo, nessas estradas de caminhar muitas vezes repisado; de olhar muitas vezes calado e os anos a dilatarem a fila dos dezembros nessa tênue luz que escapa do passado de inúmeras memórias.

Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 02/08/2010
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