Agosto vindo
O sol de agosto entrou pela minha janela mansamente e se esgueirou entre os móveis humildes do meu lar. O ar é seco no mês de agosto, fica um pouco mais custoso respirar em Brasília. Então me ergo e vou ao banheiro escovar os dentes e vejo no espelho, vejo na face do homem de julho nascer, entre barbas e remelas, o homem de agosto. É já um homem barbudo... Que estranho, meu Deus, esse homem de agosto!
Mas sob a aspereza dessa barba que agora rompe em agosto existe toda uma cumprida história, tecida com doçura pelo mês que passou. Nas barbas do homem de agosto há lições do mar de julho. Há uma breve mas profunda passagem pela Paraíba, o encontro com os pescadores de Tambaú, o mar, o imenso mar... Há paixões fulminantes, pessoas inesquecíveis, amigos que me provam mais uma vez o valor gostoso de uma amizade. Karina, Dunguinha, Thubinho, Nandinas. De fato, amigos, não é somente pela barba, mas já não sou o mesmo... Estranho dizer isso, mas é algo que se sente, no gesto mais grave talvez, mais calmo; não só pela mudança em alguns hábitos, mas até na maneira de resgatar antigos prazeres que se perderam com o tempo, desenhar é um desses prazeres.
Então aquele antigo menino que desenhava nas carteiras do colégio reaparece entre essas barbas do homem de agosto.
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Mas é agosto. Então vamos todos nos sentar como em torno de uma grande mesa e brindar esse mês! E que não resmuguemos, como tanto gostam de sair apregoando por aí, o mês do desgosto! Ah, porque nesse mês morrera Vargas, ah, porque a Bomba de Hiroxima, ah, porque foi em agosto que Hitler subiu ao poder, ah, porque o Glauber Rocha morreu em... ah! Chega! Diabos!
Nesse mês de agosto, para o bom gosto ou desgosto dos homens as flores de ipê e as paineiras continuarão florescendo em Brasília, espalhando seu perfume e suas cores pela cidade; e enquanto alguns passarinhos migram, muito passarinho danado tá pintando por aí no cerrado, chegando sem bagagem mas cheios de melodias no bico. Ah, é preciso ouvi-los! Os bichinhos arrebentam no som e nem cobram "couver".
Agosto com suas flores e seus pássaros e seus bichos espera de seus filhos ingratos um longuíssimo poema ou um pequeno haikai... Ou apenas espera ser contemplada e compreendida sem palavras, sem aborrecimentos ou velhas superstições negativas. Plantemos uma flor em agosto, uma muda de planta, façamos algo, qualquer coisa bonita, mas sujemos as mãos de terra, vamos redescobri-la. Ora, cacete, não precisamos esperar o ano-novo pra recomeçar de novo!
Ah, vivamos, pois, amigos, com o encantamento deslumbrado da criança que acaba de vim ao mundo, vamos desenhar passarinhos, as flores de ipê, os flamboyant, ou mesmo, se preferirem, com a saudosa reverência dos velhinhos que se despedem do mundo, visitemos um amigo que não vimos há muito, muito tempo... Mas também - é sempre necessário - sejamos duros com quem tá fodendo a beleza no mundo! Aos indelicados, toda minha ingratidão e profundo desgosto. O que não conta é alimentar tanta superstição besta. Ora, diacho!
Então que venha agosto, que entre pelas janelas do mundo e distribua sobre teus filhos o teu sol, esse teu sol que não sabe e que ignora majestosamente a tolice dos homens!
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