VAI TER SORTE ASSIM...
Essa semana que passou, estando eu em uma agência bancária, dei de cara com um cunhado meu, de nome Evaldo. Depois dos cumprimentos iniciais, ele me confidenciou que estava ali para resgatar um prêmio que ele havia ganhado na loteria (calma, gente! – não era nada substancial. Apenas uma quantia acima do que era permitido ser paga na própria casa lotérica).
-Rapaz, hoje, eu amanheci o dia “liso” e batendo “biela”. Para completar, a campainha tocou e, quando eu atendi, era um ex-funcionário me cobrando o complemento de uma dívida que eu havia acordado com ele. Dei-lhe uma satisfação e pedi-lhe que voltasse na hora do almoço para receber o que lhe era devido.
Eu, calado, acompanhava, com extremo interesse, a narrativa do mesmo. Enquanto o ouvia, me lembrava do tempo em que nós tomávamos “todas” e conversávamos sobre quase tudo. Éramos especialistas em saber “quase tudo”. Ele, por sinal, continua sendo especialista em “quase tudo”. Só para se ter uma ideia, ele assina os quatro jornais da cidade e os lê, religiosamente, todos os dias, antes de tomar o café.
-Que chato, não? – disse-lhe. Tem coisa mais chata do que amanhecer “liso” e, ainda por cima, receber uma cobrança? – respondi-lhe, tentando minimizar a situação.
-Verdade, respondeu. Bem, o que eu pude fazer foi, ao sair de casa, passar no banco e olhar o saldo da conta. Zerado. Depois, como sempre faço, passei na lotérica que eu costumo fazer a minha “fezinha”. Ao entregar o bilhete para a atendente verificar, tomei o maior susto, continuou ele, olhando em meus olhos para ver o tamanho do meu interesse no assunto (é claro que, nesse momento, o interesse aumentou).
-E aí? Conta homem! – já falei sentindo a adrenalina subir.
-Aí ela me disse que não podia receber o valor do prêmio ali. Que eu tinha que me dirigir à agência da Caixa, falar com o gerente para ele autorizar o saque. É claro que eu quase caio para trás! – exclamou.
Olhei para aquele homem da minha idade que, infelizmente, já tinha um histórico de problemas de pressão alta e problemas cardíacos e me lembrei de um episódio em que ele quase “empacota” e foi fazer jogo de loteria lá na casa celestial – isso se lá tiver esse tipo de entretenimento. Minhas lembranças voltaram no tempo...
Noite escura e o carro saiu em disparada, do sítio em direção à cidade de Açu. No banco de trás, sendo massageado no peito pela esposa – a todo instante –, o ilustre ganhador da loteria.
-Rápido, Wollas*! – dizia entre dores e gemidos, Evaldo.
-Homem, mais rápido só se botar uma turbina de avião. O pé está todo “infincado” no acelerador, respondia, enquanto tentava fazer as curvas, naquela velocidade, o candidato a piloto de carro de corrida.
Chegando ao hospital da cidade, só havia um clínico geral e uma enfermeira de plantão. Ao olhar a situação daquele paciente, o médico autorizou a ambulância do hospital a trazê-lo para Mossoró. Por precaução, o médico providenciou um “cachete” debaixo da língua e um encaminhamento para um hospital onde tinha UTI.
Assim que chegou ao hospital, foi levado para a Unidade de Tratamento Intensivo, foram colocados os aparelhos e feita a medicação. Na sala eram oito leitos. Todos ocupados. No segundo dia, em que ele estava “hospedado”, passou para o outro lado o primeiro paciente – o que estava no último leito com relação ao seu. E com o passar dos dias, um a um, os pacientes iam se despedindo do paraíso na Terra. No oitavo dia, ao amanhecer, ele olhou para o seu lado e viu um senhor quase da sua idade, também olhando para ele. Ficaram os dois, talvez se interrogando, quem iria daquela vez. O destino não quis que ele fosse para o andar de cima, mas, sim, aquele senhor da cama ao lado da dele.
Isso ao invés de deixá-lo mais calmo, fez efeito contrário. Ao ficar sem companhia na UTI, ele lembrou-se que, no dia seguinte, não tinha mais ninguém para ir para o andar de cima a não ser ele. Certo de que sua vez tinha chegado, à noite, antes de lhe darem a “piula” para ele relaxar, ele mesmo encomendou o seu corpo, se despediu da família, fez um balanço dos seus atos na Terra e, humildemente, pediu perdão ao Pai pelos pecados.
Quando o nono dia amanheceu, ele, ao acordar, viu-se cercado de vozes e, ainda meio sonolento foi enxergando, ainda embaçado, um monte de pessoas ao seu redor – todos de branco. Pronto, morri! – exclamou ele achando que, se todos estavam de branco – e o branco era a cor do Reino Celeste – ele tinha morrido e agora estava sendo recepcionado pelos anjos celestiais.
-Seu Evaldo, ouviu quando um homem de branco lhe dirigiu a palavra.
-Sim, respondeu baixinho.
-O senhor vai ter alta da UTI hoje. Vai para um apartamento e ficar em observação. – deu-lhe a notícia, o chefe da equipe médica.
Ao receber a boa notícia, quase que ele não consegue sair dali. Devido à emoção, desatou a chorar e teve, com isso, um aumento na temperatura, obrigando a equipe a dar umas injeções de emergência e adiar, por duas horas, a sua transferência para o quarto de observação.
Eu soube, em outra ocasião, que o medo de morrer, não faz mais parte do seu dia-a-dia. Por sinal, segundo me disseram, ele quando está sentindo alguma coisa, toma banho, se arruma, entra no seu carro e vai para o hospital se internar. Inclusive, já está conhecido dos funcionários do hospital, pois quando ele vem chegando, o próprio atendente da portaria já vai anunciando:
-Gente, providencie uma maca. Seu Evaldo acaba de chegar para se internar!
Voltei no tempo, dessa vez para o momento atual...
-Mas, quanto é, na verdade, o valor do prêmio? – insisti na resposta.
-Novecentos reais, respondeu ele.
Nada mal para quem tinha amanhecido sem nenhuma prata – nem no bolso, nem no banco. Aquela quantia era, na verdade, vultosa “pra dedéu!”
*Wollas é meu irmão mais velho.
Essa semana que passou, estando eu em uma agência bancária, dei de cara com um cunhado meu, de nome Evaldo. Depois dos cumprimentos iniciais, ele me confidenciou que estava ali para resgatar um prêmio que ele havia ganhado na loteria (calma, gente! – não era nada substancial. Apenas uma quantia acima do que era permitido ser paga na própria casa lotérica).
-Rapaz, hoje, eu amanheci o dia “liso” e batendo “biela”. Para completar, a campainha tocou e, quando eu atendi, era um ex-funcionário me cobrando o complemento de uma dívida que eu havia acordado com ele. Dei-lhe uma satisfação e pedi-lhe que voltasse na hora do almoço para receber o que lhe era devido.
Eu, calado, acompanhava, com extremo interesse, a narrativa do mesmo. Enquanto o ouvia, me lembrava do tempo em que nós tomávamos “todas” e conversávamos sobre quase tudo. Éramos especialistas em saber “quase tudo”. Ele, por sinal, continua sendo especialista em “quase tudo”. Só para se ter uma ideia, ele assina os quatro jornais da cidade e os lê, religiosamente, todos os dias, antes de tomar o café.
-Que chato, não? – disse-lhe. Tem coisa mais chata do que amanhecer “liso” e, ainda por cima, receber uma cobrança? – respondi-lhe, tentando minimizar a situação.
-Verdade, respondeu. Bem, o que eu pude fazer foi, ao sair de casa, passar no banco e olhar o saldo da conta. Zerado. Depois, como sempre faço, passei na lotérica que eu costumo fazer a minha “fezinha”. Ao entregar o bilhete para a atendente verificar, tomei o maior susto, continuou ele, olhando em meus olhos para ver o tamanho do meu interesse no assunto (é claro que, nesse momento, o interesse aumentou).
-E aí? Conta homem! – já falei sentindo a adrenalina subir.
-Aí ela me disse que não podia receber o valor do prêmio ali. Que eu tinha que me dirigir à agência da Caixa, falar com o gerente para ele autorizar o saque. É claro que eu quase caio para trás! – exclamou.
Olhei para aquele homem da minha idade que, infelizmente, já tinha um histórico de problemas de pressão alta e problemas cardíacos e me lembrei de um episódio em que ele quase “empacota” e foi fazer jogo de loteria lá na casa celestial – isso se lá tiver esse tipo de entretenimento. Minhas lembranças voltaram no tempo...
Noite escura e o carro saiu em disparada, do sítio em direção à cidade de Açu. No banco de trás, sendo massageado no peito pela esposa – a todo instante –, o ilustre ganhador da loteria.
-Rápido, Wollas*! – dizia entre dores e gemidos, Evaldo.
-Homem, mais rápido só se botar uma turbina de avião. O pé está todo “infincado” no acelerador, respondia, enquanto tentava fazer as curvas, naquela velocidade, o candidato a piloto de carro de corrida.
Chegando ao hospital da cidade, só havia um clínico geral e uma enfermeira de plantão. Ao olhar a situação daquele paciente, o médico autorizou a ambulância do hospital a trazê-lo para Mossoró. Por precaução, o médico providenciou um “cachete” debaixo da língua e um encaminhamento para um hospital onde tinha UTI.
Assim que chegou ao hospital, foi levado para a Unidade de Tratamento Intensivo, foram colocados os aparelhos e feita a medicação. Na sala eram oito leitos. Todos ocupados. No segundo dia, em que ele estava “hospedado”, passou para o outro lado o primeiro paciente – o que estava no último leito com relação ao seu. E com o passar dos dias, um a um, os pacientes iam se despedindo do paraíso na Terra. No oitavo dia, ao amanhecer, ele olhou para o seu lado e viu um senhor quase da sua idade, também olhando para ele. Ficaram os dois, talvez se interrogando, quem iria daquela vez. O destino não quis que ele fosse para o andar de cima, mas, sim, aquele senhor da cama ao lado da dele.
Isso ao invés de deixá-lo mais calmo, fez efeito contrário. Ao ficar sem companhia na UTI, ele lembrou-se que, no dia seguinte, não tinha mais ninguém para ir para o andar de cima a não ser ele. Certo de que sua vez tinha chegado, à noite, antes de lhe darem a “piula” para ele relaxar, ele mesmo encomendou o seu corpo, se despediu da família, fez um balanço dos seus atos na Terra e, humildemente, pediu perdão ao Pai pelos pecados.
Quando o nono dia amanheceu, ele, ao acordar, viu-se cercado de vozes e, ainda meio sonolento foi enxergando, ainda embaçado, um monte de pessoas ao seu redor – todos de branco. Pronto, morri! – exclamou ele achando que, se todos estavam de branco – e o branco era a cor do Reino Celeste – ele tinha morrido e agora estava sendo recepcionado pelos anjos celestiais.
-Seu Evaldo, ouviu quando um homem de branco lhe dirigiu a palavra.
-Sim, respondeu baixinho.
-O senhor vai ter alta da UTI hoje. Vai para um apartamento e ficar em observação. – deu-lhe a notícia, o chefe da equipe médica.
Ao receber a boa notícia, quase que ele não consegue sair dali. Devido à emoção, desatou a chorar e teve, com isso, um aumento na temperatura, obrigando a equipe a dar umas injeções de emergência e adiar, por duas horas, a sua transferência para o quarto de observação.
Eu soube, em outra ocasião, que o medo de morrer, não faz mais parte do seu dia-a-dia. Por sinal, segundo me disseram, ele quando está sentindo alguma coisa, toma banho, se arruma, entra no seu carro e vai para o hospital se internar. Inclusive, já está conhecido dos funcionários do hospital, pois quando ele vem chegando, o próprio atendente da portaria já vai anunciando:
-Gente, providencie uma maca. Seu Evaldo acaba de chegar para se internar!
Voltei no tempo, dessa vez para o momento atual...
-Mas, quanto é, na verdade, o valor do prêmio? – insisti na resposta.
-Novecentos reais, respondeu ele.
Nada mal para quem tinha amanhecido sem nenhuma prata – nem no bolso, nem no banco. Aquela quantia era, na verdade, vultosa “pra dedéu!”
*Wollas é meu irmão mais velho.
Obs. Imagem da internet