Meu querido sanduíche de salame
Como bom trabalhador que sou (imaginem!), estava eu no meu horário de repouso da lanchonete em mais um daqueles intervalos em que experimento um sanduíche de salame que, acreditem, depois que provei pela primeira vez descobri que Deus existe em algum lugar no infinito.
Contudo, abri a revista Seleções para iniciar uma leitura agradável de boas reportagens. Eu e meu querido sanduíche de salame.
Folheio de cá, folheio de lá, e algo me chama a atenção.
A foto de uma menina... negra... cabelos sujos, unhas sujas, aquele olhar que não sei bem explicar: não era medo, não era raiva, era fome. Olhar de fome, já ouviram falar nisso? Ele existe, acreditem. Soibre a foto o slogam da campanha e embaixo da foto a explicação de como ajudar crianças na situação dela que por todos os dias de seus 6 anos de vida, TODOS, sentiram fome.
Sou (mal) assalariado que também passa por dificuldades. Então, estamos quase no mesmo barco. Logo, voltei a mastigar meu amado sanduíche de salame com duas folhas de alface (três é exagero)
Mas a foto me incomodava. A menina olhava para a câmera sem se mover (lógico), mas meus olhos eram a câmera. Tentei mudar de página, mas o meu sagrado saduíche de salame ficou diferente, entendem? Não perdeu seu gosto apreciável, mas estava descendo mais pesado.
Então, como um louco desesperado, apoiei meu delicado sanduiche de salame sem tomate sobre a mesa. Encarei a menina com coragem (mentira, eu sou um covarde nato), e perguntei: "O que vc quer?"
-Eu? Nada.
-Como nada? Você está me incomodando.
-Porque, sou uma apenas uma foto.
-É, eu sei, mas está me constrangendo.
-Por qual motivo?
-É que você não tem o que comer e eu estou comendo esse inigualável sanduíche de salame com 7 fatias de salame. Ele é gostoso, e você está tirando o gosto dele.
-Ora, estou com fome, mas não com inveja, não posso sentir o cheiro do seu sanduiche de mortadela.
Irrite-me.
-Mortadela não! É Salame, maravilhoso sanduiche de salame.
-Mas porque eu lhe incomodo tanto? Vc não é culpado por eu estar nesta situação.
-Claro que não sou, mas me sinto constrangido em saber que vc está e eu sou tão privilegiado por ter esse... bem... vc sabe.
-Eu te perdôo.
Olhei indignado para aquela foto atrevida e esfomeada.
-Eu não preciso do seu perdão, sua menina de seis anos arrogante e... e... e anã.
Fechei a revista com raiva. Quanta petulância, me perdoar. Não preciso disso não. Preciso apenas saborear meu estoporante sanduiche de salame que tanto amo, mais até que meu emprego e meu salário mais anão que a menina da revista.
Mas acabo de comê-lo com desgosto. Sei que amanhã já terei esquecido deste terrível incidente, mas, por preucaução, toda vez que estiver saboreando meu querido sanduiche de salame, tomarei cuidado para não abrir nenhuma revista com fotos de gente com mais problemas do que eu.
Danielfaraó