Relato verdadeiro sobre o término de uma vida

Passos apressados o levariam para desfecho fatal

Estava na praça da estação à entrada do museu de artes e ofícios

Pensou, olhou para o relógio, mãos nervosas, os minutos lhe consumiam

O que tomou no café daquela manhã?

Entraria ou não no mausoléu? Por que não entraria? Por que deveria ir embora?

Ninguém ou nada lhe dava respostas. Era só ele com ele mesmo. Iria refazer tudo mentalmente. Sabia que depois que adentrasse naquele lugar que seria o seu sepulcro, não poderia mais recuar. Cavaleiro covarde que marchava em trôpegos devaneios.

O que iriam falar dele depois do ocorrido? Falariam alguma coisa? O peito batia mais forte contra a sua decisão. O telefone celular agora não valia mais nada. Objetos parcos nos bolsos teriam destino certo. Que pomada, aliança ou outra coisa estariam fazendo no seus bolsos? Por que guardava tudo no mesmo ritual já que iria dar cabo de si mesmo em poucas horas?

Foi em frente. Cruzou com várias pessoas estranhas, diferentes dele naquela curta caminhada. Cada uma jamais se lembraria dele ou do pouco que sobrava dele ali naqueles pensamentos inquietantes. Atrás de si estava o morto ribeirão arrudas. Ao seu lado, o edifício central onde ele pode ter comprado alguma revista ou ter feito um lanche há um tempo.

Alguém será que lhe perguntou as horas naquele instante? Alguma moça será que o admirou sem ele ver? Quantos não passaram por ele e estavam cheios de planos, uns querendo ter filhos, outros querendo conhecer lugares. Ele não: nem sabia por que estava ali ainda.

Alguma coisa poderia tê-lo impedido? Uma lembrança especial? Um roncar de estômago? Não, nestas horas não se sente fome. Não se tem sede. Tudo é anestesia. Nem a imagem da mãe que lhe socorria sempre o acalmava ou diminuía os instintos maléficos. Era só um garotinho amedrontado e perdido dentro de si.

Onde estaria escondido aquele adolescente que começou cedo a trabalhar no banco e tinha mil ideias de tudo e de todos? Lembranças opacas. Estava esfrangalhado e sem rumo. Podia ter sido assaltado ou quebrado uma perna naquela hora. Assim, seria tirado daquela fatalidade.

Continuou andando de encontro a sua última parada. Um museu seria o cenário do seu adeus. Lugar tão visitado e tão sepulcral que iria esconder os seus gemidos. Muita gente e gente alguma. Muita história e uma vida terminando o enredo.

Será que ele deu um boa tarde à pessoa que recebeu o tíquete? Nenhum olhar poderia querer enxergar os dramas e lamentações dele. Seria mais um. Foi mais um.

Caminhou meio que trêmulo e com passos decididos. Que decisão? Que idiotice do imponderável? Estava de pensamento fechado, embora fraco.

Olhou em volta, aproximou-se, achegou-se. Estava ali nos minutos finais da sua existência. E nem chegara a suas 47 primaveras. Empurrou a porta, como assim o fizera em outros museus e espaços de arte. Agora era o fechar da última cena. Da cena da sua vida.

Entrou no recinto bem cuidado espremido um pouco pelo sanitário. Arfou. Talvez, uma gota de suor lhe escorrera pela testa. Sacou do instrumento metálico. Sabia que era pra valer. Pensou em tudo ou em todos, assim meio embaralhado. A vida não lhe passava à frente dos olhos como os flashes que ouvira falar. Desesperou-se ou serenou-se?

A carne se rompia abaixo do pescoço. O sangue saía nervoso ao poucos até ficar incontido, virulento, com vontade própria. Sentia que iria desfalecer, perder os sentidos. Alguém chegaria para vê-lo? Pouco importava. Deixou o corpo escorregar perto do vaso, o metal lhe caindo da mão, o cerco que lhe fechou.

Pessoas estranhas do samu que ele não conheceria de outra forma agora estavam tentando reanimá-lo. Ele não respondia. Deixava-se ir embora, largar-se dali. Os seus objetos eram recolhidos e embalados, papéis preenchidos e o corpo inerte era levado para o gavetão frio.

Em pouco tempo, os seus familiares seriam alertados, as suas vidas definitivamente modificadas. Ele agora estava em rezas, súplicas e homenagens religiosas. Sentia no peito de madeira a terra lhe cobrir por inteiro. A luz do sol já não seria vista por ele. A ele ficou uma placa com o nome e um grito dentro de cada um sobre a burrice que fizera. Merecia dar mais para si mesmo e não jogar a tolha. Virar número frio e nada mais.

YOUNG
Enviado por YOUNG em 31/07/2010
Código do texto: T2410865
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