Ninguém vai querer ler isso.
Vai ser Assim: “Já se conheciam a um bom tempo, embora no começo sequer houvesse diálogo. Mas naquele dia, algo pareceu diferente. Haviam bebido um pouco e essa seria uma boa desculpa caso um deslize acontecesse. E de fato, aconteceu. Um beijo e um desejo, que pudesse se repetir. Depois deste dia os diálogos fluíam naturalmente, e um sentimento novo foi surgindo fazendo com que fossem contra os planos até então traçados. Quando se descobriram sentindo “certas coisas”, a falta de imaturidade os fez perceber que não era a melhor ocasião pra um sentimento tão sem propósito que nenhum dos dois havia planejado. Decidiram então, não mais falar sobre o assunto... E, sendo cada um no seu canto... suportavam cada um a seu modo.” Pronto, fim!
- Ham?! Como assim fim? Você nem me perguntou se eu queria viver essa história.
- Mas quem é que está falando isso?
- Sou eu, a personagem. Como você coloca um fim na minha história sem saber se eu ainda quero vivê-la?
- É por isso que não gosto de criar personagens com tanta personalidade. Se eu sou o escritor, então eu decido quando as histórias vão terminar.
- Mas esse amor nem nasceu direito pra morrer assim. Como pode haver um fim antes do começo? É como morrer um anjo, antes mesmo de ter nascido. Essa dor eu já senti.
- Não dá pra apagar o que já foi escrito. O final é este. E você já lutou contra o amor em outras histórias. Vai se sair bem.
- Sim é verdade. Mas então porque quanto mais eu venço essa luta contra o amor, mais me sinto perdedora? Você é o escritor, por favor diga que tem a resposta para minhas perguntas.
- Bem, se me dá licença, eu tenho historias de outras pessoas pra escrever. Não posso perder tanto tempo aqui.
- Perder tempo? Mas e o meu tempo? Quem vai ser a pessoa que vou ligar primeiro quando tiver uma novidade se você termina as minhas histórias antes que eu possa tentar vivê-las? Você fez que estes dois personagens se encontrassem, se gostassem e não deixou que eles ficassem juntos. Ninguém vai querer ler isso.
- Menina, eu sou o Grande Escritor. A pena está na minha mão, e a cada dia escrevo uma história nova. Não deixe de acreditar!
- Quer dizer que posso esperar por uma história nova?
- Pode sim. Outras histórias virão.
- Mas terá os mesmos personagens?
- Talvez! Nunca deixe de acreditar. Aliás, eu te escrevi assim sei que você supera.
- Ainda estou me sentindo muito triste. Não quero ter que agradecê-lo agora.
- Não precisa. Durma e espere pelo amanhecer.
- Mas eu tenho medo dos sonhos estranhos. E mais estranho será não ver aquele sorriso em meus sonhos. Escreva-me um pesadelo pra esta noite, e eles me farão desejar a realidade.
- Fique tranqüila. Já providenciei uma nova aquarela, quem sabe amanhã eu resolva pintar algumas rosas de azul.
- Posso esperar?
- Sempre!
“Como feijão e arroz
que só se encontram depois de abandonar a embalagem
Mas como entender que os dois
Por serem feijão e arroz
Se encontram só de passagem?”
Pratododia – Fernando Anitelli (O Teatro Mágico)
* Depois de tanto tempo no Recanto das Letras, finalmente cheguei ao texto 100. Rs...