O Hospital da(á) vida

Quando falamos em Hospital, só o nome assusta, entrar nele é como se nos tornássemos reféns de um espaço onde todo o mundo se veste de branco e cujo cheiro é tudo menos agradável. O pior é que o dito hospital acabara de ser comprado pela rede D´Or, e as obras nas suas estruturas frágeis eram bem visíveis, dando uma conotação bem sinistra a todo o ambiente. O que eu faço lá dentro? Por enquanto desconheço, aqui vim parar sem mais nem menos, e rapidamente me vi dentro de uma fatiota branca que me faz lembrar um paciente da enfermaria nº6 dos contos de Tcheckov, não que eu esteja ali para qualquer tratamento psíquico, antes fosse, pois desde cedo me parece que loucos não existem - o que existem são pessoas incompreendidas nas suas ações. Pegando nesse(a) conto/novela de 1892, a primeira impressão que me fica é a de uma análise psiquiátrica do autor, mas também a forma como a sociedade é esparramada no papel, chegando-se ao cúmulo de se perder a noção de quem naquela cidadezinha é são, e quem deve ser julgado débil mental, e onde termina a Enfermaria nº6 e começa a região do bom senso.

Neste hospital nunca outrora as coisas me pareceram tão semelhantes - tudo ali era confuso - eu, para todos os efeitos devia ser o doente, assim presumo, e os restantes seriam os obreiros e/ou simples mulheres morenas em fardas sexys. Por muito surreal que o cenário fosse, eu não estava ali para fazer tricô, eu era a personagem que eles queriam apagar por quatro horas, só ainda não descobri a razão para tal crueldade. Como pode um ser tão indefeso e frágil ser vítima destes carniceiros?!

- A maca acaba de chegar aos meus aposentos de forma horripilante, eu dou um “ai e um ui”, antes mesmo de aceitar meu destino; direciono-me para ela e me lanço como um bebê chorão nos seus braços sedentos de companhia. O que seria de uma maca sem um paciente? Já pensaram nisso? De que nos serviria aquela coisa horrorosa com quatro rodas e manta branca? Bem, por este andar vou ao encontro do carniceiro Mor (...). Desta não escaparei... a hora da limpeza mental se aproxima como um espasmo de nervos bem miudinhos, e ainda por cima será feita pelo nariz - isso não me saía da cabeça; entro agora no elevador em obras e sou encaminhado a toque de caixa para o 3° andar, onde fica a sala de extração ou se quiserem, de operações –, lá me esperam, a mim (Ivan Dmítritch), um grupo de indivíduos com máscaras intravenosas; devem ser bem feios para não mostrarem o rosto. Já lá dentro, e de frente para o Arco-Íris eu sinto uma picada bem forte no meu braço direito, olho de soslaio para o lado, e vejo uma bonita moça, tão bonita que na hora pensei em convidá-la para um jantar à luz das velas, mas antes de qualquer tentativa da minha parte logo ela me apagou; às tantas temeu pela forma dócil com que eu a iria seduzir. Foi melhor assim, não se chegou a vias de fato, nem ela saberá se eu seria a sua cara metade. Minhas últimas palavras foram: GoodBye Lenin!

O sono induzido tomou conta de mim e a viajem pelo outro mundo acabara de começar, toquei o céu com luvas de pelica, e entrei num pomar de macieiras em flor.

– Que cenário - disse o esquilo! Era simplesmente resplandecente para os meus olhos, fiquei olhando para aquela beleza do abrochar das flores uns bons minutos, tempo suficiente para fazer uma faxina na minha memória - naquele instante eu podia sentir o cheiro das flores como se elas estivessem ali apenas para me ajudar a redescobrir meu verdadeiro ser. Os questionamentos começaram num toma lá da cá, frenético, e de todos eles houve um que me deixou pensativo, ele passou pela minha cabeça como um raio sobre um planalto de estepes, e nas suas asas estava escrito: “Vale a pena viver quando nos sentimos de mal com a vida?”; analisando a frio essa questão, pois acabara de começar a cair uns farrapos de neve sobre o campo, as herbáceas começavam a dar sinais de desespero, o peso da neve sobre as macieiras se fazia sentir de forma açucarada, as aves que rodeavam o campo se escondiam em fendas de penhascos íngremes, o esquilo mergulhou num buraco bem fundo, e eu, entre veredas e ciprestes continuava pensando na questão, pensava e voltava a matutar naquilo. Até que finalmente me decido por uma breve análise: por muito adversa que a vida seja, ela sempre valerá a pena, ou como dizia nosso amigo Fernando Pessoa:

“Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu”.

E com isto, e de forma abrupta eu acordo desta... maravilhosa e curta viagem, a estadia pelo “paraíso” deu-se entre as 16h e as 20h da passada segunda-feira do dia 05 de Julho de 2010, o primeiro contacto com a humanidade deu-se sob a forma de uma voz meiga ou grossa, tenho que me decidir por uma delas! Fica ao vosso critério - ela dizia:

“João é o Dr. Jorge, você está bem? A cirurgia acabou, agora pode ir descansar”.

Eu ainda meio grogue e com uma aparência apalermada levantei meu braço direito, como se estivesse na sala de aula e tentasse responder a uma pergunta de minha amiga Mi, professora de Inglês, a mesma que se sacrifica para meter na minha cabeça a língua de sua majestade a Rainha Isabel II, dela recordo-me apenas da forma magistral com que tem mantido o reino fora de ameaças, da língua, as recordações são... Não são!

O tal braço, fora agora colocado por trás da minha cabeça, dando a sensação que o que tinha acontecido na minha mente era bem diferente do que aconteceu no real. As pontadas na minha cabeça estavam lá, parecia um martelo martelando nos meus neurônios - isso é um fato; porventura, efeitos da anestesia ou da viagem que acabara de fazer. Mas sentia-me tão bem que nem as dores eram visíveis para o exterior, eu apenas queria gozar o momento e entrar num estado de alivio e de profunda auto-estima. Faz tempo que não sentia a vida de perto, eu podia agarrá-la naquele instante e fazer dela o que fosse preciso. Até um Origami se assim entendesse! A luz ao fundo do túnel era uma realidade, a saída para uma nova vida uma certeza, vida e obra estavam encostadas como quem beija sua amada. E eu apenas sentia uma vontade terrífica de ouvir música Híndi, vai saber por quê... Será que eu me encontrei com alguma Indiana no outro mundo? Agora fiquei preocupado, a dança do ventre não me saía da cabeça... Por que será? Espero que não fique enjoado com tanta volta.

A falar em voltas, ainda não foi desta que os médicos me sugaram minha “inteligência”, em momentos anteriores ao ato de “extração”, temi pelo pior, já tinha ouvido falar em retirar o gene da sabedoria pelo nariz - este não foi o caso.

- Ufa... Que alivio, safei-me desta!

E a vida continua... ao ritmo de um Djambé africano.

\(^_^)/

Jvcsilva
Enviado por Jvcsilva em 31/07/2010
Reeditado em 31/07/2010
Código do texto: T2410066
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