AMOR. LEMBRANÇAS. CARINHO.

Estou no banco para sacar dinheiro no caixa eletrônico. Na minha frente uma moça alta e loura como uma de minhas filhas, também no porte e na educação. Ouvimos ambos, na proximidade do balcão, onde recepcionistas atendem solicitações, uma senhora indagar o óbvio. “Eu tenho que desbloquear o cartão de crédito para sacar no exterior antes de ir para o exterior ?”

A moça olhou para mim e riu discretamente. Falei para ela: Lembra um programa cômico da televisão em que o personagem revoltado com perguntas indevidas ao extremo fica nervoso, apoplético, e responderia se fosse a recepcionista, “Não, a senhora desbloqueia depois que voltar...”.

Minha lembrança se volta para minha querida irmã que se foi data pouco mais de dois meses, de inopino, quase me pegando fora do Brasil. Para minha sorte estive com ela dois dias após minha chegada e dois antes dela partir para a partida sem volta material. Mas está mais comigo do que antes, não sai de meus pensamentos.

Tinha a inversão dos seres normais depois de uma certa idade, dormia ao dia e acordada ficava pela noite a dentro, ouvindo uma paixão sua que levou consigo a seu pedido no invólucro de madeira que encaminha nosso corpo para o outro lado; um rádio, era seu pedido atendido pela filha Adriana, minha afilhada.

E me contava maravilhas que o rádio durante as madrugadas proporcionava. Pleitos de comunidades os mais diversos que só os que ouvem o rádio a estas horas podem acreditar que existem, reclamações da vida das mulheres perseguidas, um ser de segunda classe na história da humanidade, desencontros de todos os matizes noticiados, perdas que não se reparavam, nem mesmo na justiça, desaparecimentos, histórias de vinganças, decepções múltiplas, tudo amplamente divulgado pelos atores desse mundo chamado vida onde ocorrem fatos incríveis e desconhecidos por quem vive a vida da normalidade social.

Ela não abria mão de varar a noite ouvindo a narração desse teatro que faria Shakespeare ficar surpreso em toda sua dramaticidade. A realidade do teatro da vida. O rádio que não cedeu à televisão, marcou e fez prevalecer seu território ignorando a imagem, como o livro prevaleceu na prensa para a verdadeira cultura, através das editoras, ignorando a internet e a era da eletricidade como advertia Marchal Macluhan na "Galáxia de Gutemberg".

Era seu lado agudo e observador, humano e filosófico de ver a vida de outro ângulo, a vida da verdadeira massa cuja indiferença de quem deu um passo à frente desconhece, até ao ponto de sair de madrugada para sua vizinha padaria, ao lado de sua casa, quase parede com parede, que funcionava vinte e quatro horas para, três horas da madrugada, assistir os notívagos chegarem, ajudar por vontade própria aos que lá trabalhavam, todos seus amigos chorosos no sepultamento, pois se insurgiu quando vendido o negócio pretenderam ultrapassar direitos trabalhistas dessas pessoas antigas no local, advertindo para preservação de seus direitos. Era advogada, filha de jurista, sabia o que era certo e o errado.

Mas minha irmã foi mais, gostava de mostrar um desconhecimento que não tinha, para provocar minhas risadas e logo depois me dizer, só você me faz rir assim, rindo junto. Longas horas no telefone pela noite. É esse o motivo que a pergunta da senhora no banco fez logo lembrar de suas perguntas cômicas que me fazem sofrer por não mais ouví-las. O “Vale de Lágrimas”.....Ontem fui mandar grafar onde repousa : “Uma vida de alegria e caridade”.

Por sua memória e para minha sobrinha e afilhada, revelo neste espaço, sob outros títulos e em seguida, algumas das muitas linhas que para ela escrevi. Foi pouco para sua grandeza de alma e caridade, esta última qualidade distribuída fartamente para os necessitados.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 30/07/2010
Reeditado em 01/08/2010
Código do texto: T2408653
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