LANTERNA DA ALMA

Continua domingo. Dia de São Pedro.

Frio de 17 graus.

Estou só. Num ônibus, outra vez.

E... como acontece sempre que estou num ônibus, a imaginação voa. Pelo menos ELA anda de avião.

Eis que num saltito, foi três anos de volta e... voejou por entre as páginas de um livro chamado “Viajando com Charley", de John Steanbock (será isso mesmo?").

Ele estava só também. Só, modo de dizer, só de pessoa; Charley ia com ele. Era seu querido cão, a lhe fazer companhia, nessa viagem da costa leste a oeste dos Estados Unidos.

Sabe, leitor, de quê foi que minha memória anciã me lembrou ?

De uma manhã, também de domingo, quando aquele autor sentiu necessidade de entrar num templo, fosse qual fosse.

Encontrou um pelo caminho e, ao sair para continuar viagem com Charley, o nosso John estava extremamente feliz! Quase abanando o rabo, se rabo tivesse um. Um. Porque dois já seria um exagero.

Sentia-se amparado, protegido, fortalecido, iluminado.

É que, dentro daquela igrejinha, ele encontrou um Pastor munido de inconformada brabeza, que vociferava contra pecados, chamava à ordem e à disciplina os pecadores. Alertava contra os erros, contra as falhas, contra as caídas e recaídas nas tentações ! Eloqüente, o Pastor brabo até se levantava do solo, em seus arroubos para alcançar a emoção e a inteligência daquelas almas.

Ele estava brigando para salvar as almas !

O nosso autor sentiu-se feliz, porque, alguém se importava com ele, com a salvação da sua alma, alguém que esclarecia contra os perigos... a ele, que tinha a liberdade de fazer o que bem entendesse.

Eu não tenho um cachorro chamado Charley. Aliás, eu nem tenho cachorro.

Não percorro os Estados Unidos de leste a oeste. Aliás, eu nem percorro !

Mas... estou à procura!...e ...pensando bem, até que uma viagenzinha não faria mal.

Um simples "pulinho" de imaginação, eis que me encontro na Grécia antiga, bem antiga, 400 anos antes de Cristo. ~

Cristo!

Você não vai acreditar, leitor, mas eu estou em frente a um filósofo descalço, que mora num tonel, despreza a riqueza e vive em obediência exclusiva às leis naturais. Ele nasceu em Sinopla, mas agora esta andando pelas ruas de Atenas, em pleno dia, com uma lanterna acesa às mãos.

É Diógenes, apelidado de "O Cínico”, sem nenhum motivo. Perguntaram-lhe o porque da lanterna; o fato não deixa de ser uma excentricidade. Ele respondeu: -Ando à procura de um homem !

-Desculpe-me sr. Filósofo, mas vou lhe tomar a lanterna emprestada - disse-lhe eu, acrescentando: o meu caso é mais grave. Não procuro um homem. Procuro um Pastor que se incomode com a minha alma.

Meu ônibus deixou-me, lanterna à tira-colo, bem em frente à Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, na Ponta da Praia; a santa missa, já começada, ia pelo Evangelho:

"Naquele tempo, chegando Jesus ao território de Cesáreia de Felipe, perguntou um dos discípulos: "Quem os homens dizem ser o Filho de Deus?” Simão Pedro respondeu: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo." Jesus respondeu-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isto e sim, o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja; as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela.

Eu te darei as chaves do Reino dos céus e o que ligares na Terra será ligado nos céus e o que desligares na Terra será desligado nos céus."

Assim está melhor, pensei; O diabo aqui não terá vez. Faz sentido.

O comentário do Pastor foi... certeiro e objetivo. Mais ou menos assim: "Não podemos acreditar em todas as palavras que ouvimos, só porque alguém as proferiu. Temos que buscar a origem, a fonte de onde elas procedem, para verificar a sua fidedignidade. Assim é com a Igreja..! A nossa é Una, Santa e Apostólica. Una, porque assim a deseja o Senhor e a coordenação para essa unidade cabe só ao Santo Papa; Santa, não porque seja infalível (carrega a limitação dos homens), mas

porque tem o ideal de busca da santidade; Apostólica, porque fiel àqueles que, diretamente da fonte de Cristo, trazem até nós as palavras Dele! Sabemos a fonte! Não acreditamos nessas inúmeras seitas que há por aí, manipulando, com interesses restritos, pouco recomendáveis, o povo que não busca saber das fontes, das origens! Não é qualquer um que deveria poder fundar uma seita, como acontece aqui. Isso é fácil ! mais fácil que abrir uma firma para ganhar o próprio pão de cada dia. Isso acontece no Brasil, porque temos 40 milhões de analfabetos e o analfabeto é fácil de ser manipulado!”

Neste dia de São Pedro, estou, finalmente, mais tranqüila...porque encontrei um Pastor preocupado em que eu não desperdice a minha alma acreditando em palavras cuja fonte é... desconhecida! O Pastor nao quer que eu seja enganada, nem ludibriada!

"-Ei, você aí, pode devolver- me a lanterna?”

-Ainda não senhor filósofo Diógenes. Acabei de saber que não devemos acreditar em palavras só porque alguém as proferiu. Então agora , não posso nem acreditar neste Pastor. Vou esperar pelo fim da missa e pedir... as prova das...fontes! Caso ele não as tenha, precisarei ainda da sua lanterna...

-Para quê, por todos os deuses do Olimpo?

-Vou procurar a... fé nos homens!!