Eu menino, sete anos de idade

Na volta da escola para casa, a chuva iniciou-se, lenta e fina. Corri e me escondi sob a marquise da padaria do senhor Heleno. Fiquei esperando que ela passasse e nada! Continuava caindo persistente e indiferente aos meus desejos. E o que é pior, ao invés de diminuir, aumentava em volume d'água e ventos. Impaciente, não resisti e me atirei sob ela com a pasta escolar preta sobre a cabeça, tentando proteger-me. De nada adiantou-me a proteção da pasta, pois, quanto mais rápido eu corria, mais me molhava. Então desisti de proteger-me e lancei-me ao prazer da brincadeira de correr sob ela com mais alguns amiguinhos peraltas como eu. Sorríamos, falávamos e gritávamos o tempo todo. Chutávamos e pulávamos dentro das poças d'água que encontrávamos pelos caminhos. Uniformes ensopados, cabelos molhados, pastas molhadas e principalmente, almas lavadas. Ah, que delícia! Um pouco a frente, pelo caminho, avistamos a sorveteria do senhor Oriel. Não deu outra! Paramos e pedimos picolés de morango e côco. O senhor Oriel não se conteve, olhou para nós e soltou uma sonora gargalhada. Imagine só, -disse ele- molhados da cabeça aos pés e ainda por cima, chupando picolés, ahahahahah... gargalhou novamente o idoso senhor. Nós não estávamos nem aí para o que alguém poderia estar pensando sobre nós. Queríamos é aproveitar ao máximo, o prazer das brincadeiras e peraltices daquela tarde. Hoje, penso comigo: "nada como ser criança! Possuir um espírito solto, alegre e irreverente!" Com os picolés ainda nas mãos, despedimo-nos do senhor Oriel e caímos na chuva novamente! Um pouco mais a frente, nos dispersamos e cada qual tomou o seu rumo. Bato à porta de casa e mamãe abre-a com o semblante de preocupação e brabeza e vai logo dizendo-me:
---Muito bonito hein seu moleque arteiro! Eu aqui preocupada e você me aparece todo molhado e ainda por cima, com essa cara de peixe satisfeito! O que tem a dizer-me?
---Bem, mamãe...
---Não tem essa de mamãe não, passe já p'ra dentro de casa, enfie debaixo do chuveiro e tome um banho bem quente!
Enquanto eu me banhava, mamãe bateu à porta do banheiro e disse-me:
---As suas roupas estão aqui do lado de fora, quando acabar, pegue-as e venha sentar-se à mesa para beber um café com leite bem quente e eliminar a friagem do seu corpo, senão você contrai um resfriado. Tratei de terminar o banho rapidamente e fui sentar-me à mesa, onde mamãe havia colocado uma xícara grande, enchendo-a de café com leite bem quentinho. Após bebê-lo, levantei-me silencioso e fui para o meu quarto deitar-me e relembrar com alegria e um sorriso mal disfarçado, todas as peraltices que havia cometido naquela tarde inesquecível. Saudades, doces e eternas saudades, é o que sinto agora de mamãe e da minha querida professora, dona Aparecida Barroso, a primeira que tive em minha vida. É com respeito e grata satisfação, que digo eternizarem-se em nossas lembranças, a nossa mãe, a nossa primeira professora e o nosso primeiro amor. Saudade é uma palavra triste quando se vão aqueles que amamos. Mas, enfim, a vida continua...




Foto: Google imagens
Jaime Rezende Mariquito
Enviado por Jaime Rezende Mariquito em 28/07/2010
Reeditado em 21/01/2011
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