Ledo engano

Chovia, chovia muito e ela vinha a passos lentos buscando, com os olhos marejados, entre os túmulos aquele onde seria a morada eterna de "tio Zezin", como ela o chamava.

Aliás, vamos falar de tio Zezin. Sujeito bom aquele. Nunca fez mal a uma mosca, nunca maltratou ninguém. Sem vício algum, bom marido, bom pai. "Sempre disposto a ajudar." Diziam seus netos. Veio para Brasília aos 17 anos, fixou morada no Paranoá em 1962, casou em 71 com dona Amélia. "Nunca soube de um chifre que ele tenha me butado. Êita homi bom." (sic)

Morreu aos 55 anos sem nenhum problema cardíaco, nos rins ou pulmões. A vista lhe traíra um pouco e o cansaço da peleja lhe renderam cãibras terríveis. Foi internado com uma terrível dor na região do ânus. “Os médicos achavam que era próstata”, contou Luca, sua sobrinha mais nova.

E por falar em sobrinha mais nova, era essa a única que lhe visitava, lhe dava carinho e ajudava nas despesas com remédios, médicos e lhe pagou também o funeral. Chorava muito esta pobre moça, e acho que fora o excesso de lágrimas que causou toda a confusão em que se metera no dia do enterro.

_ Meu Deus onde será essa cova, Senhor?! - Perguntou aflita, a si mesma, em meio as gotas de chuva.

Beirava as três hora da tarde, o tempo fechado, quase escuro, dificultava ainda mais caminhar na lama, por entre os túmulos e covas ainda sem lápides. Parava, olhava de um lado e de outro, pesquisava, apontava e o desespero se mostrava visível a cada investida errada. Uma multidão aqui, outra ali, lágrimas de cá e de lá. Mas nada de achar o sepulcro de tio Zezin.

_ Meus Jesus. Não vou ver meu tio pela derradeira vez? Me ajude Senhor a achar essa cova.

Tomada por um quase desespero, num misto de pânico e desânimo avistou ao fundo, próxima a cerca, um movimento pequeno de pessoas que se aglomeravam junto a uma cova. Um pastor pregava o evangelho e tentava consolar os presentes.

_ É ali, tem de ser ali. Meu Deus, tomara que seja, eu já não aguento mais andar.

Sem a certeza do que fazia ali começou a chorar copiosamente diante do caixão coberto por uma lona. Sombrinhas e guarda-chuvas se esbarravam, pés se pisavam, prantos, lágrimas e desesperos se misturavam ao som da água que caía. No chão as marcas das pegadas formavam crateras e poças de lama. Uma mistura de barro vermelho e água se fazia e respingava nas roupas. Uma sujeira só. Choro, muito choro, lágrimas e muitas lágrimas. E a chuva caindo, uma espécie de banho para aliviar a dor dos presentes.

Ela estava ali, feliz (sem sacanagem) por ter se encontrado pela última vez com seu tão amado tio. Aquele homem que durante anos foi seu pai, seu irmão, seu amigo.

_ Ah meu Deus! Por que o Senhor levou meu tio? Por que Deus amado?

Seu pranto ecoou mais alto entre os presentes, o relógio já apontava 17 horas e o corpo deveria baixar a sepultura.

_ Gente precisamos enterrá-lo, já está na hora. - Disse algum parente.

_ Não, não. Eu quero meu tio de volta. Ele não pode ir agora. - Chorou com vontade a Luca, debruçada sobre o esquife.

_ Mas já está na hora. - Disse outro alguém sem se importar com ela, que só chorava.

_ Tio Zezin volta. Não vá meu tio. Eu não vou aguentar, meu Deus. Eu quero morrer também.

Um cidadão que estava ao seu lado olhou atentamente para ela, voltou-se para o grupo, que a essa altura já não mais chorava apenas observava fixamente aquela moça que, aos prantos, se derramava em lágrimas. De repente o moço que a fitava lhe tocou no ombro e disse com voz suave e melancólica.

_ Acho que você se enganou. Aqui é o sepultamento do seu Osvaldo, meu sogro.

_ Não é do tio Zezin?

_ Não.

_ Ai meu Deus! E agora Senhor, o que eu vou fazer? Gastei todas minhas lágrimas no defunto errado.

Desmaiou causando tumulto e embaraço aos presentes. Gente que ela nunca vira e nem se dera conta disso.

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 28/07/2010
Reeditado em 12/05/2011
Código do texto: T2403988
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