Crimes para a Literatura

CRIMES PARA A LITERATURA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 28.07.2010)

Existe mais um indicador, talvez não adequadamente avaliado, que coloca o Brasil no nível das grandes potências mundiais. Depois de tantas conquistas nas mais variadas áreas do esporte (a atividade pioneira a nos propiciar destaque global positivo), vieram os feitos da música, as marcas da economia, os avanços sociais (queda do analfabetismo, aumento do índice de leitura apesar de um ou outro governante por aqui advogar a extinção de bibliotecas, ampliação de cobertura do atendimento em saúde fora dos hospitais, crescimento do salário mínimo e da distribuição da renda, multiplicação da oferta de vagas nos colégios, escolas técnicas e universidades, eliminação virtual do desemprego, aumento significativo do salário médio do trabalhador, satisfação geral da população), as demonstrações de respeito internacional (com expectante temor) pelas posições do Brasil nos fóruns do planeta.

O país deixou de ser mero espectador, alçou-se rapidamente ao estágio de coadjuvante e começa a roubar papéis de protagonista em diversas questões deste Século 21 - o que, ademais, nos trará antipatias profundas e antagonismos enormes se não evitarmos a arrogância e barbárie com que se comportam algumas das atuais potências (em declínio iminente) e seus satélites fieis e incondicionais.

Assim o Brasil começa a ficar grande não só em território, população e ignorância generalizada (como diz Manoel Osório: generalizar é exclusividade das ditaduras militares).

Crescemos agora no indicador civilizado dos crimes sofisticados: cometidos geralmente contra mulheres e minorias, o assassino não mais se arrepende e confessa chorando sua façanha. Não: ele agora mente, confunde a polícia, cria pistas falsas, esbanja versões (mãos atiradas aos cães, carros com a vítima afundados em represas, ossos triturados misturados ao concreto), some com os cadáveres, multiplica testemunhas contraditórias. Daí sai a boa literatura de mistério. Vocês já imaginaram o que seria do romance policial se Jack, o Estripador, arrependido, tivesse corrido a se entregar ao seu primeiro ou quinto crime?

Desse caldo (com o perdão pela alusão grosseira) é que saem os melhores livros de ficção. E nós estamos atingindo agora esse nível excelso!

Para a nossa consagração definitiva, faltará apenas, depois de escritas essas obras, a conquista do nosso primeiro Nobel de Literatura.

(Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 28/07/2010
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