YPUPÎARA

A novidade veio dar a praia / Na qualidade rara de sereia / Metade o busto de uma deusa maia / Metade um grande rabo de baleia / A novidade era o máximo / Do paradoxo escondido na areia / Alguns a desejar seus beijos de deusa / Outros a desejar seu rabo pra ceia / O mundo tão desigual / Tudo é tão desigual / O, o, o, o... / De um lado esse carnaval / De outro a fome total / O, o, o, o... / E a novidade que seria um sonho / O milagre risonho da sereia / Virava um pesadelo tão medonho / Ali naquela praia, ali na areia / A novidade era a guerra / Entre o feliz poeta e o esfomeado / Estraçalhando uma sereia bonita / Despedaçando o sonho pra cada lado / Ô Mundo tão desigual... / A Novidade era o máximo... / Ô Mundo tão desigual... (Gilberto Gil, “A Novidade”).

Embora São Vicente fosse a sede da capitania do mesmo nome, o seu capitão-mor (governador) vivia na cidade vizinha de Santos. Isso acontecia desde o segundo governo do capitão-mor Brás Cubas em 1552. Em São Vicente ficava um seu representante. No ano de 1564, Baltazar Ferreira era o representante em São Vicente de Pedro Ferras Barreto, que residia em Santos.

Baltazar Ferreira, filho de Jorge Ferreira que já fora capitão-mor, vivia na antiga Casa de Pedra que servia como uma espécie de subsede da capitania.

Baltazar tinha uma índia como pessoa de confiança para exercer os afazeres domésticos. Segundo Francisco Martins dos Santos, a índia se chamava Irecê (Yresé), tinha um namorado que trabalhava no continente de nome Andirá e costumava sair de casa à noite para se encontrar furtivamente com Andirá, tarde da noite, na Praia da Vila.

Somente uma índia idosa, conhecida como feiticeira dava conta das andadas de Irecê e lhe havia aconselhado para não magoar o seu patrão que era tido como excelente pessoa e que seria melhor contar para a ele, para que seu envolvimento com Andirá se tornasse legal. Acrescentava sempre que os espíritos do mar poderiam lhe castigar. Irecê ficava ainda mais assustada ao perceber que a feiticeira sabia de todas as suas andanças.

Numa noite, apavorada pelas histórias contadas pela velha índia, Irecê saiu à procura do seu amado, na praia. Lá chegando, sentia a mansidão das águas, via a canoa de Andirá, mas nada da presença do seu amado. Pensando nas palavras da feiticeira, começou a retornar quando ouviu urros e viu um monstro de aparentes três metros de altura caminhando de braços abertos em sua direção.

Começou a correr apavorada até a Casa da Pedra, gritando pelo capitão com muita insistêcia, que este saiu como estava, à procura do tal monstro marinho.

Ao atravessarem o campo, Baltazar viu que a índia tinha razão. Era um monstro horrendo, com dois braços, um grande focinho, dentes como se fosse um cão, nadadeiras na cauda, caminhando em direção ao mar como se estivesse de pé. Baltazar seguiu o estranho animal e enfiou-lhe a espada à altura do estômago.

O amimal soltou um urro de dor e tombou sangrando sobre o capitão que logo se desvencilhou do mesmo. Como se estivesse recobrando as forças, o monstro tentou um golpe sobre Baltazar, que recuou e, nesse exato momento, apareceram as pessoas da vila, que haviam escutado os gritos de Irecê e ajudaram o capitão a combater o monstro, arrastando-o já morto até a vila, deixando-o em exposição para quem quisesse ver.

Segundo os indigenas, o monstro marinho era conhecido como “ypupîara” (algo como “senhora das águas, ou dos locais alagados”

Depois desse episódio, Irecê deu por desaparecido o seu Andirá.chorando a morte do seu amado.

Desde tenra idade escutamos contos de terríveis monstros marinhos geralmente nos mares do Oceano Pacífico. Mas aqui no Brasil e na região de São Vicente aconteceu fato semelhante e relatado na história com essa impressionante ocorrência: a aparição da “ypupîara”, monstro marinho conhecido dos indígenas e nunca antes visto pela população daquela região.

Pero de Magalhães Gândavo cita o episódio da Ypupîara em seu livro “Historia da Província de Sãcta Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil”, publicado em Lisoa, no ano de 1576, na Officina de Antonio Gonsalves, páginas 62 a 66.