De tramite et orbe
O processo de habilitação é um caso clássico de exuberante vantagem para quem explora o negócio. Como é de praxe comece a escalonar as situações criando cargos indiretos. Isto é de suma importância porque o modelo final aparecerá com atores absolutamente treinados para dissuadir a idéia de subtração financeira. Os atores finais surgirão como “fiscais” para o melhor andamento da coisa. O escalonamento das funções serve para coibir a visão crítica em sua totalidade, na desvantagem haverá um número muito reduzido de criaturas capazes de compreender a necessidade da demolição completa de um sistema que foi erguido para auferir vergonhosamente sobre algo chamado de educação. Mas que não passa de lucro sobre a instrução, algo repugnante para qualquer tipo de atividade que demande ensino de verdade. Mas o modelo de educação do trânsito foge da idéia espiritual do conhecimento. Ela é explorada como uma entidade a parte.
Pense num cassino. Você recebe fichas para jogar e o tempo de jogo é controlado. Quando você está quase pronto para vencer, tira-se o direito de continuar comprando fichas. Funciona assim.
Nada mais ridículo do que acreditar em exame visual do departamento de trânsito. Só um oftalmologista corrupto diria que a análise de visão do departamento de trânsito tem alguma validade. É a primeira ficha que pagamos no ato. Também desembolsamos pelo exame. Segunda ficha. Logo vem o exame psicológico. Reúna todos os psicanalistas e escute o que eles têm a dizer sobre testes psicotécnicos. Está mais do que certo de que riscos e traços nada comprovam sobre a real capacidade de quem quer que seja. Psicotécnico é um embuste repugnante, o mais torpe dos embustes técnicos que uma alma lúcida pode padecer. Sendo repugnante causa embaraço, provoca erros e os erros são todos pagos. Quarta ficha. Após o ritual das fichas já pagas vem o item teoria. Se ganha um livro onde um instrutor repetirá os itens como se fossemos analfabetos e não pudéssemos efetuar uma leitura particular sobre os aspectos relacionados ao trânsito. Quinta ficha.
A sexta ficha do cassino para o trânsito é mais sutil e emprega o sistema financeiro. Utiliza um banco, instituição respeitável, para cobrar mais um novo valor referente ao direito de utilizar o carro na tentativa de provar que sabemos dirigir. Observem que o jogo contém regras claras: só podemos empregar o carro do departamento. (Em carro próprio apenas os deficientes). Após a taxa vale lembrar que os carros sovados do departamento são todos pagos por hora rodada com instrutor. Instrutores que sofrem visivelmente de neurose de repetição.
Haverá um número irrisório de aulas dentro do preço pago no banco. São dez aulas práticas que servem perfeitamente para quem já está habituado com direção. Quem está aprendendo será isca fácil para novos desembolsos desentranhados sem nenhuma elegância mediante a insidiosa prova prática. Cada teste tem um custo elevado para o concorrente à motorista. Mais do que educação é um jogo de varetas cujo único pressuposto desse teatro imbecil é amealhar dinheiro e mais dinheiro dentro de uma nova ação escalonada. Os instrutores cederão lugar ao insigne fiscal que chegará com pose de grande integridade prática. Riscará o chão, utilizará fita métrica para se certificar de que as balizas estão na “medida certa para criar o maior risco de reprovação”. Eles sabem que um item fácil se transformará num suplicio financeiro. Basta esquecer o sinal de luz, dirigir sem cinto poderá ser o suficiente na linguagem de pontos, para ganhar um dez sobre o sinal de luz que vale menos ponto. É um trabalho sério que oculta qualquer relação entre fiscal e o capital particular em jogo. A tarefa dos fiscais é induzir ao erro com pegadinhas maliciosas do tipo: “dobre a direita justamente na rua contramão”, além de outras proezas torpes do gênero. O fiscal ilibado parecerá santo dentro de uma figura educacional ainda maior do que a de um professor de qualquer ensino médio, porque dirigir é um ato idiota que necessita de rápida reflexão. O fiscal gerencia tudo com poder d tirano disfarçado no molejo que cada empatia exerce sobre a sua superior personalidade. O triunfo da burocracia administrativa sobre uma comarca acostumada a ser roubada gradativamente pelos mais espertos e organizados.
A reprovação do jogo vem seguida de prazos e o que seria certo? Certo seria entrar novamente no carro e repetir a operação até ajustar todos os procedimentos técnicos. Porém o lucro está em dificultar ao máximo, estreitar esse direito de conquistar um documento que é ainda por cima provisório. Pasmem até onde vai o idiótico do jogo levado a sério, respeitosamente. Requer dizer que todo o ato cênico empregado para arrecadação termina imbecilmente numa habilitação provisória, o que contradiz nesse sentido toda a validade. É preciso esperar quinze dias para retornar a busca pela superação. Prazo suficiente para que se acredite novamente em aulas práticas como esperança de solução. Quando o tempo de um ano expira, a gentil secretária diz com voz rouca bem adestrada: o senhor deverá recomeçar tudo novamente. Pagando exame de visão, médico, aulas práticas.
Você liga materialmente desconsolado para a ouvidora da divisão de atendimento. Há portaria 122/06 do departamento, mas seguirão cobrando tudo novamente. É assim a violência do trânsito, a sua raiz e o seu germe. Andar a pé é um ato de grande dignidade.
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