Lovely Rita

    
                                   Rosa Pena


Após uma separação exaustiva, muitas idas ao advogado, sorrisos falsos de "apenas bons amigos", discussões calorosas de quem fica com o quê (o dvd do Fred Mecury fui eu quem comprou, viu?), Rita enfrenta seu primeiro sábado, depois de vinte anos de casamento, literalmente sozinha. Os filhos foram passar o fim de semana com o ex-marido, mas não ex-pai. Luiz foi um merdão de parceiro, mas ela reconhece que sempre foi um paizão.

Pensa em ir a uma boate, mas desiste rapidamente, pois seus cabelos estão uma titica... ou melhor, sua alma é que está.
Resolve que na segunda-feira irá ao cirurgião plástico, tentar ficar com cara de clone. É, esticada que nem a Elza Soares, mas em versão branca, que nem a Deborah Evelyn. Cara de Michael Jackson, Glória Menezes, cara de clone... Sempre com aquele ar de espanto, lustrosa de tanto esticar. Pronta para eternizar-se no museu de cera ainda em vida.

Vai pôr também silicone nos peitinhos caídos de tanto o Luizinho mamar. A partir de segunda, todo mundo vai saber que ela é uma cinqüentona que fez plástica, apesar de ela só ter quarenta e cinco!
Lembra-se também de comprar diversas calças com bolso faca. A mão vai viver enfiada no bolso. Será que tem botox para mão? A mão não tem dedo-duro, é o próprio dedo-duro. Entrega geral. Agora só vai pra night, quando estiver clonada e bem branca, só sairá com filtro solar fator 970. Não pode ter manchas senis na pele.

Ficar em casa sozinha leva-a a conferir sentimentos em forma de CD. Rita Lee, sua xará, com o bendito banho de espuma, foi testemunha da tal confusão de pernas dela com o Luiz.
— Merda, nunca mais vou ser feliz. Ou vou, depois da clonagem?
Enquanto não chega o dia, resolve comer muito. O regime começa na terça, junto com a plástica. Desistiu de segunda. Segunda, pára de fumar e olhe lá.

Pipocas com muita manteiga, muito guaraná e sem ser diet. Depois, um sorvetão. Coloca Lança-Perfume bem alto, para não ficar impune, e parte para o microondas.

Faz um puta pote delas. Entupidas de sal, é tudo de bom! Por falar dele, cadê ele? Esqueceu-se de comprar ou ele foi na partilha de bens? Porra! Urubu cagou na sua cabeça. A vontade agora de comer a pipoca é maior do que a de plastificar a cara. E por falar em cara, lembra-se do vizinho do lado, o maior cara-de-pau do prédio. Antipático pra dedéu. Nem um bom-dia dá! Agora também dane-se. Está divorciada, é uma mulher emancipada, breve, siliconizada. Enfrenta todas.

Vai ao apartamento dele. Bate na porta, ele atende. Ela, com aquele belíssimo pote e com cara de babaca, pede o sal.
Ele avisa que tem, mas fala entredentes, quase sussurrando, que tem a crença de que sal não deve ser emprestado... Dá azar. Ela, sem graça, diz que respeita a tal crença imbecil, agradece e dá meia-volta. Sempre soube que ele era nojento, retardado.
De repente, porém, ouve aquele psiu!...

— Não posso emprestar o sal, mas não tenho crença nenhuma que impeça de comermos as pipocas aqui, juntos...Topa?
Pipocas com cheiro de coisa maluca!

A plástica foi feita no próprio sábado, sem anestesia.
Botox no ego! Silicone na alma!
Ficou bem lustrosa a auto-estima da Ritinha!
 
 
 

LIVRO UI!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 25/01/2005
Reeditado em 05/12/2009
Código do texto: T2403
Classificação de conteúdo: seguro
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