MENINO DE RUA
Seu nome? - “F“ - simplesmente “F”- o “terror do bairro”, segundo me disseram.
Precavida, sentei-me no banco da Praça e passei a observá-lo de longe.
Jogava futebol com outras crianças iguais a ele, na faixa de 10 a 12 anos de idade. Era o mais ágil, vivo e rápido nas roubadas de bola. Já fizera dois gols e pulava de alegria.
Pés descalços, camisa 10 do Galo, já rota e desbotada, calça azul de tamanho bem maior do que o seu. Atleticano ou cruzeirense, o que importava? O mais importante, sim, era a agilidade com que defendia a bola, a garra, o brilho dos olhos, as gargalhadas infantis na plenitude do esbanjamento de sua enorme alegria. Vibrava e pulava com o resultado já conseguido: 2 x 0!...
Voltava suado e, ao passar por mim, sorrí-lhe e o chamei:
- Camisa 10 ! Você é mesmo um craque !... - olhou-me desconfiado. .
- Ocê num tem medo de mim, tia?
- Medo, meu filho? Você é um craque e promete ser o maior jogador do Brasil, um novo Ronaldinho, um Roberto Carlos, um Júnior, um Robinho... Alguém tem medo deles?
Arredio, olhava-me desconfiado ante minha primeira tentativa de aproximação.
-Você aceita um sanduiche? Sempre trago quando venho fazer caminhada aqui. Estendeu a mão e pegou o embrulho.
Eu não trazia bolsa, óculos ou qualquer atrativo à sua cobiça, tão somente uma sacolinha de plástico.
- Sente-se aqui para comer, você deve estar cansado, pulou tanto..
Não, não queria sentar-se, tinha pressa... Comia com a ganância de um garoto de 11 anos.
- Escola? Não estava na escola, era muito ruim ficar preso ali. Não precisava de
aprender nada, já sabia muito, aprendendo tudo na rua, mais que na escola. e não queria ficar preso igual a um passarinho. Não gostava...
- Votar? Que nada, é só escolher os home qui manda no Brasil e eles num faz nada prá gente... Persegue os pobre e deixa os rico cada vez mais rico... Minha mãe trabalha desde manhã até de noite e o que é qui ela ganha? Um pouquinho de dinheiro qui num dá prá nada... Qual, o melhor é mesmo eu ficá na rua onde faço a vida manero... Pego as bolsa das dona, tiro o dinheiro, compro tudo que quero, inda dô pros meus companheiro e nós vivemo feliz assim...
- Cidadania? - sei não e nem quero sabê... Sê home importante prá que? Arranjá um bom trabalho, sê um cidadão importante com documento e tudo prá que, tia? Melhora não...
- Sonho? - Ah! tenho um sim, sê aviadô, voar lá no alto como passarinho, sem ninguém cercá a gente, fazê vistoria, vê se tem coisa roubada...
- Olimpíada? - Vi, vi sim uma vez na vitrine da loja de televisão, uns cara correndo com um número no peito e diziam que era olimpíada... êta gente frouxa, se eu tivesse no lugar deles, eu chegava mais rápido. Quando pego uma bolsa das dona, ninguém consegue me pegá, corro, corro mesmo...
- Droga? – já sim, droga é bom, deixa a gente animado, com gosto de vitória. Quando os tira me pega, eles solta logo, sou de menor... Falava e sorria, engolindo o refrigerante que lhe dera.
- Venha comigo, vou lhe dar muita coisa boa guardada de meu filho de sua idade, morto em um acidente. Bicicleta, muita roupa, tênis, brinquedos... Ponho você na escola, quero ver você como o primeiro da turma, o craque festejado, o cidadão respeitado, você é o futuro do Brasil!
Tomei-o pela mão e o vinha conduzindo, admirada em conseguir trazê-lo, quando a folha do jornal caiu-me do colo.
Despertei para a realidade: cochilara apenas, lendo a reportagem publicada em página do jornal “ESTADO DE MINAS” que me deixara bastante impressionada e triste com a realidade espelhando o futuro de nossas crianças...
(Crônica inspirada em reportagem do “Estado de Minas”, jornal editado em Belo Horizonte)