Mágoa
MÁGOA
É tão inerente ao ser humano senti-la, como amadurecer e envelhecer. Faz parte da vida, sofrer a indiferença ou a traição do outro. É duro, dói e deixa marca. Até Jesus teve um Judas em sua vida, e foi abandonado por seus amigos. Se é tão comum este sentimento, por que as pessoas, ao sofrê-la, têm atitudes tão diversas? Por que alguns superam a dor, esquecem, e outros não?
Penso que a mágoa é como veneno. Se, por acaso, você o ingere, precisa também tomar o antídoto, para combatê-lo dentro do seu organismo. Qual seria, na prática, o antídoto da mágoa? O perdão. Fácil de dizer e difícil de aplicar. Vou tentar explicar o meu pensamento, através da minha experiência pessoal.
Em uma ocasião uma pessoa, profundamente ligada afetivamente a mim, cortou o vínculo que nos unia, sem dar a menor explicação. Procurei-a, cobrando o motivo de tal atitude. Silêncio. Tentei emocioná-la, escrevendo uma poesia comovente. Nada. A mágoa se transformou em raiva e comentei com uma amiga: “vou fazer e acontecer com ele, para sinta na pele, o que me vai na alma”. Ela simplesmente me disse: “a raiva só faz mal a quem a tem. Ele não será afetado por essa atitude, mas a sua pressão sanguínea, sim. Todo o seu organismo será alterado pela intenção de vingança; o alívio tão desejado, não se fará presente”. No primeiro momento sorri e argumentei: “você vai ver se ele não reage”. Nem me lembro mais da atitude que tomei, mas posso dizer que nos distanciamos cada vez mais. Ele conheceu outra mulher e se casou com ela. Foi viver a vidinha que eu tinha desejado para nós. De fato, a raiva só fez mal a mim mesma..
Então, como reagir diante de um fato que nos afeta e nos fere? Vivenciar até o fundo aquela dor. Esmiuçar os sentimentos dolorosos, como fazemos com uma ferida infeccionada: raspar com uma lâmina e, se preciso for, cortar em volta com bisturi o veneno, que está provocando o sofrimento. Dizem os psicólogos que, quando morre alguém, devemos viver o luto até o fim. Se isso não for feito, a perda permanece latente ao longo da nossa vida; não retomamos a trajetória anterior.
Quando minha mãe morreu, eu pensei que não sobreviveria. Poucos meses depois, me vi à beira-mar, num dia de sol de primavera, a água morna banhando meus pés, a areia branca e macia, levemente morna, acariciava a sola. Caminhei alguns passos e, atônita, me dei conta da sensação de plenitude e felicidade que sentia. Como era possível ser feliz logo depois da morte da minha mãe? Eu vivi o luto da sua perda e retomei o meu rumo inicial.
O segredo da cura é o perdão, que é feito racionalmente. O coração não é controlado, mas a razão sim. Perdoar a si mesmo, em primeiro lugar. Admitir que errou, deu margem ao outro para o atingir. Analisar os porquês da própria atitude; o que o levou a se entregar tanto; a abrir sua guarda e expor seu jardim secreto. Reconhecer a fraqueza e vulnerabilidade. Se você se poupa neste momento, carregará a mágoa para o resto da vida. É preferível sentir a dor, em toda a sua profundidade, pelo menos uma vez, do que senti-la, menos intensa é verdade, o resto dos seus dias. Depois de amenizado este sofrimento inicial, com a racionalização dos seus fracassos, você já será capaz de analisar a atitude do outro. Por que ele (a) fez isso? Que circunstâncias o (a) levaram a ter tal comportamento, a dizer tais palavras? Em seguida, inverta as posições: coloque-se no lugar dele (a) e vice-versa. Como seria a sua atitude? Diferente?
Eu faço assim. Não afirmo que sou a dona da verdade, mas sou feliz. Perdoar, para mim, é muito fácil. A compreensão traz o perdão, e o perdão mata a mágoa e cura a ferida do coração.
Petrópolis, 27 de julho de 2010