ZÉ BAIANO BORRACHEIRO
Ele tem sua borracharia na Avenida Bernardo Vasconcelos, próximo à Padaria Cachoeirinha, aqui em Belô, onde atende desde manhãzinha à boca da noite, ajudado pelo filho Carlinhos. Caboclo forte, sessenta e sete primaveras, enfrenta sua árdua labuta diária com um sorriso nos lábios e uma piada na ponta da língua afiada. Fissurado em mulher, sua borracharia ostenta nas paredes os calendários com as gatas mais disputadas por esse tipo de propaganda, louras, negras e morenas em profusão. E os fregueses babam diante daqueles monumentos, enquanto aguardam o conserto do pneu do carro.
Zé Baiano encara desde pneu de bicicleta até as rodas gigantes das carretas, ônibus e caminhões que lá buscam socorro, executando com perícia e rapidez o seu mister. E de quebra, sorridente, ele sempre vem com os seus causos, suas anedotas e seu papo favorito:- mulher! ...
Dia desses passei lá pra trocar uma válvula de um dos pneus do “Twingo” e, enquanto o Carlinhos trabalhava, seu pai, o Zé Baiano, naquele instante folgado, veio de lá com sua conversa e suas tiradas:-
“- E aí, doutor, o amigo já operou das hemorróidas, por acaso?”
“- Não, Zé Baiano, graças a Deus não! ...” – respondi tranqüilo. E ele, com aquele sorriso moleque na cara redonda:-
“- Ô cu bom! ...” – e soltou sua estrepitosa gargalhada, como sempre.
O Carlinhos, agachado junto ao meu carro, não conteve seu riso discreto e falou, talvez preocupado com a parolice do velho:-
“- Não se preocupe, “Seu” Roberto. O pai hoje tá com a língua solta desde cedinho.”
“- Fica frio, Carlinhos. Esse Baiano nunca me enganou, tá sabendo? É só conversa mole, papo de velho decrépito, saca? ...”
Mas o Zé Baiano estava, realmente, com a cachorra e continuou falando pelos cotovelos. Chegou uma senhora para calibrar os pneus do seu carro e ele deu uma maneirada. Atendeu-a com presteza, a mulher perguntou quanto era e ele respondeu solícito:-
“- Nada não, madame. Cortesia da casa. Volte sempre, tá legal? ...” – E soltou sua risada debochada.
O Carlinhos terminou o atendimento ao meu carro, paguei e, antes de sair, dirigi-me ao Zé Baiano:-
“- Baiano, presta atenção porque isso serve pra nós dois, você e eu, tá ligado? Tudo acontece quando a gente envelhece:- o cabelo cai, a vista escurece, o dente apodrece, a barriga cresce, o pinto amolece, a mulher passa, oferece e a gente agradece. Você não está com essa bola toda não, amizade! ...”
Entrei no “Twingo”, engatei uma primeira e saí cantando pneus.
-o-o-o-o-o-
B.Hte., 27/07/10