Louca
Existem muitas loucas no mundo e existem muitos hospícios também. É possível até, que já tenham falado de alguma louca por aí. Mas, da Louca que vou falar agora, tenho certeza, ninguém falou.
Ela não era louca quando a conheci. Era sensível, inteligente e admirável pelo senso de humor. Não sei por que me escolheu como companheira, pois eu era a contradição de tudo que havia nela.
Por muito tempo ela me pareceu normal.
Um dia, entretanto, algo muito estranho aconteceu. Estávamos sentadas em silêncio quando, de repente, empurrou-me para longe, deu um grande salto, e com gestos sem nexo, num tom de voz grave, ora muito alto, ora bem baixinho, começou a falar:
“Atenção! Soou o alarme... É preciso agir rapidamente... Papel e canetas a postos! Obedeçam a ordem do pensamento! É chegado o momento... Sentido!!!
Eis que se aproxima a Grande Inspiração.
Mas, que é isso? Que confusão tremenda! Que desordem é essa? Que está acontecendo afinal? Por que tudo isso? Onde está o pensamento? Desapareceu? Não é possível... Quanta confusão! As idéias... as idéias... Onde estão as idéias que estavam aqui enfileiradas? Abortaram-se em meio a esta balbúrdia...
Que transformação terrível se deu de um momento para outro! Com que velocidade vertiginosa as coisas acontecem! Que restou de toda aquela ordem? Apenas uma caneta que vai atirando, de um lado para outro, as palavras que num campo de papel caem sem que nenhum atinja o alvo.
A confusão continua desordenando e arrebatando tudo ao seu redor, como um terrível torvelinho. As coisas se diluem, as pessoas desaparecem, o torvelinho atinge-me em cheio no seu desenrolar assustador.
E agora? Que é isso que surge à minha frente? O mar? Sim, é o mar furioso que investe seus braços contra mim, enquanto sua boca espumante se contrai pronta para tragar-me com todo seu furor.
E agora? O que é dessa vez? O sol? Sim, é o sol que incide seus raios sobre mim aniquilando-me as forças. A natureza também se põe em polvorosa. Tudo se revolve num intenso pesadelo.
Ai... Que dor cruciante! Não posso suportar tudo isso que me cerca. Tudo parece querer se lançar sobre mim num só átimo.
Estou por terra... E parece que de um momento para outro, a terra vai se abrir e enterrar-me em seu ventre profundo... Ouço tremores... Estou desfalecendo...
Mas, que é aquilo lá no alto? Que calma inebriante está vindo de lá! Que diferença há entre aquele azul e tudo isso que me rodeia!
E eu? Que faço aqui? É preciso levantar e marchar também... Marchar como as nuvens marcham no infinito azul... marchar... marchar... ouvindo apenas a voz de Deus.”
E tendo dito tudo isso, começou a marchar de um lado para o outro, como se estivesse ouvindo ordens do além. Naquele momento percebi que estava louca. Então a encarei e disse:
- Você está louca!
Ela virou-se para mim e andando em círculos, como se procurasse uma porta para entrar em si mesma, olhou-me suplicante e perguntou:
- Que pretende fazer comigo?
Não respondi, apenas a prendi.
Desde então ouço-a sempre a gritar:
- Tire-me daqui. Solte-me. Quero correr o mundo. Quero o Infinito...
Às vezes gostaria de libertá-la, mas se o fizesse agora, destruí-la-iam por não entendê-la.
Muito em breve, entretanto, eu a porei em liberdade, pois, com certeza, ela não viverá para sempre nesse hospício que existe dentro de mim.
Do Livro: “Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas” – Pág. 50