CARTA A UM AMIGO
AMIGO
Como diz a canção do Milton, “amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração. Assim falava a canção que na América ouvi. Mas quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir.”
A despeito dos versos da canção, devo dizer-lhe que fiquei muito sentido, pelo modo como você nos deixou. Isso lá é coisa que se faça com os amigos! Em um mundo tão carente de relacionamentos fraternos, você não tinha o direito de sair de nossas vidas, assim, tão de repente. Um verdadeiro amigo não deve e não pode fazer isso.
Fique sabendo que depois de sua partida ficou ainda muito mais difícil aceitar o contexto sócio-político de nossa terra. Já não se fazem amigos como antigamente. Sei que a frase é velha, batida, mas é a pura verdade. Nunca, jamais, a palavra amigo assentou tão bem numa pessoa quanto em você. Amigo, sempre foi a palavra mais presente em seu vocabulário. Acho até que, de tanto chamar as pessoas de 'amigo(a)”, você já não sabia seus nomes. Por tais razões, não lhe posso perdoar tamanha desfeita. Repito. Você não podia, melhor dizendo, não tinha o direito de sair de nossas vidas assim, sem mais, nem menos. Logo você que nunca foi coadjuvante em coisa alguma! Como um idealista que sempre foi em tudo o que empreendeu, deveria ser o último a sair de cena, pois no teatro da existência, você sempre foi protagonista.
É, meu amigo, acho que você não fazia idéia do quanto era querido por seus conterrâneos. Por conta disso, resolvi reunir algumas palavras de despedida, para dizer-lhe do sentimento de perda que nos tomou a todos nós, logo que soubemos de sua partida repentina.
Ah, meu amigo. Não é fácil despedir-se de alguém que admiramos. Como é triste despedir-se de um ser humano cuja energia vital era o altruísmo. Mesmo assim, preciso dizer-lhe algumas palavras. Palavras que nunca disse, seja por achá-las desnecessárias ou, quem sabe, por excesso de confiança em nossa amizade.
Embora isso não sirva de desculpa, assim como eu, não foram poucos os que deixaram de dizer-lhe tantas coisas... Quem sabe, fico a pensar, não terá sido a nossa omissão a causa maior de sua partida tão repentina? Na verdade, por seu estilo de vida, no fundo sabíamos que, mais cedo do que poderíamos imaginar, você acabaria aprontando conosco.
Era razoável esperar-se um desfecho como esse. Afinal, em você, o sentido de urgência nas coisas da vida foi sempre maior do que em todos nós. No entanto, nenhum de seus amigos, jamais pensou que isso pudesse acontecer tão cedo. Agora sei que, bem no fundo, você sabia que a sua missão aqui estava terminando. Hoje, infelizmente, percebo isso com muita clareza. Havia em seu coração uma urgência de fazer as coisas que nos impressionava. Embora suas ações assim o indicassem, não imaginava que a sua vida seria medida não só pelos anos vividos, mas por sua intensidade. Hoje eu sei que não havia lugar em sua vida para um futuro tão distante. Para o amanhã, restaria apenas o seu legado. Por isso, viveu nessa urgência constante.
Depois que partiu é que nos demos conta de tamanha urgência em realizar coisas em prol de nossa terra. Seu dinamismo era tanto que não cabia imaginar a falseta que nos aprontaria tão cedo. Talvez tenha sido o seu maior pecado, antes de nos deixar.
E agora?! O que vamos fazer para superar o imenso vazio? Quem vai promover o nome de nossa terra, como eventos que só você sabia organizar? Acho que a sua partida foi o único momento em que o egoísmo teve lugar em sua vida. Sim, porque você não pensou em seus pais e tampouco em seus amigos. Você não se importou ou não se deu conta da imensa dor que causaria a todos nós, seus amigos e conterrâneos.
Mas, em nome da objetividade, vamos deixar as reclamações de lado para falar das coisas boas que aconteceram a despeito de tudo. Não me tome por insensível e não se espante, pois, até na sua partida, você foi criativo. Escolheu o momento mais festivo de nossa cidade, quando muitos dos nossos conterrâneos vêm participar das festas ao Padroeiro São João Batista. Você sabia muito bem que nesse período do ano um bom número de conterrâneos que moram em outras cidades vêm participar dos festejos juninos. Os que não podem participar das festas, ficam em casa curtindo uma saudade daquelas. Mas, com certeza, estão com seus pensamentos voltados para o torrão que lhes serviu de berço. Esta, meu amigo, foi mais uma de suas criações: preparou tudo para a festa e depois saiu de fininho, como diz o nosso povo.
Amigo, você não faz idéia de como foi o seu velório. Se não for muita pretensão de minha parte ou simples devaneio, acho que você planejou tudo. Pela forma como transcorreram as homenagens, somente você seria capaz de organizar. Tudo saiu perfeito. Se fosse ensaiado, não ficaria tão bom.
Por mais absurdo que possa parecer, houve momentos em que cheguei a sentir inveja de você. Olha, nos meus sessenta anos, nunca vi coisa igual. Se estiver exagerando, credite isso à emoção, mas é o que penso. Você conseguiu fazer correr um Jaguaribe de lágrimas por todos os lugares e rincões de nosso município. Puxa, como você era querido por nosso povo. Havia em cada gesto um misto de admiração, amizade e reconhecimento, por tudo o que você representou para todos nós.
Ah, antes que me esqueça, embora fosse de partir o coração, dava gosto ver os jovens de nossa terra, irmanados pela dor, com um sincero desejo de prestar-lhe as suas homenagens. De um lado, viam-se jovens ostentando orgulhosos os uniformes esportivos que conseguiram com a sua ajuda. De outro lado, viam-se meninos e meninas vestidos com roupas típicas das quadrilhas juninas, só para lhe prestar a última homenagem e demonstrar toda a gratidão por tudo o que você fez por eles e por nosso município.
Você não faz ideia (ou faz?) da festa (festa?) em que se tornou a sua despedida desse mundo pequeno. De tão organizado e tranquilo, só podia ter sido planejado e realizado por você! Que ironia, hein!
Luis Gentil
Julho/2010