AMO O FRIO
Devo ter sido, em outra vida, um guerreiro que lutou uma grande batalha no rigoroso inverno nórdico. E ao defender minha nação com bravura, devo ter tido minhas tripas quentes esparramadas na neve gelada e ficado intrigado, fascinado, maravilhado com minha última visão: a fumacinha subindo do encontro dos dois – calor e frio.
Mas em minha vida atual eu amo o frio pelo mesmo motivo que outras pessoas o amam sem admitir.
Amo quando o frio intenso me permite devorar a pele ressecada de meus lábios, deixando-os em carne viva.
Sinto prazer quando à noite, debaixo das cobertas e mesmo assim sentindo frio, solto minha flatulência que me esquenta momentaneamente. Sem o frio nunca poderia desfrutar desse calor sutil e fugaz que me diverte nas noites invernosas.
É somente em tempos de baixa temperatura que posso cometer o pecado da gula sem remorsos. Comer sem parar, sem pensar, feijoadas, macarronadas, polentas e parmegianas. Repetindo refeições. Porque ninguém irá notar a minha corpulência sob tantos agasalhos a me cobrir.
Não suo, não tomo banhos demasiados, não saio muito e por isso não gasto tanto. Aproveito mais minha casa, melhor ainda se acompanhado para esquentar delicados pezinhos friorentos.
É por isso, meus amigos, que não me importo de não admitirem abertamente seus deleites e de até reclamarem diante do menor arrepio.
Não existe clima melhor que este, que amo e fico feliz por saber que, no fim, será ele a minha única companhia, nos minutos derradeiros.
Até meus testículos se encolhem... em respeito ao frio.