Entraves e entreveros
Entraves e entreveros.
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
(**) sobre o texto.
CERTAS COISINHAS SIMPLES, EXATAMENTE POR SEREM SIMPLES, me irritam, sobremaneira. Sei que, enumerando, aqui, vão me chamar de louco ou de neurótico de carteirinha. Neurótico sem carteirinha não é neurótico, é maluco. Mas querem minha opinião sincera? Não estou nem ai. Não me incomodo nem um pouco. Vamos a alguns exemplos típicos: existe chatice mais estressante que chegar ao prédio onde se mora (eu me escondo no décimo sétimo andar) e precisar subir até esse pavimento usando as escadas? E quando se acaba de abrir a porta do apartamento, metade da língua pra fora, o corpo suando em bicas, os elevadores voltarem a funcionar? Entrar num barzinho para tomar um cafezinho com amigos, e encontrar, uma mosca solitária no fundo da xícara lhe acenando com a patinha? Nossa! Já aconteceu com alguns de vocês, toparem com um fio de cabelo no prato misturado à comida? Um nervo incômodo na carne assada, bolotinhas no purê de batatas, pedrinhas no arroz, ossinhos de galinha no feijão, pouco açúcar no suco de laranja, com aquelas pedras de gelo (sujas) que, entre outras coisas, servem para deixar a bebida aguada e insossa?
A mim me irrita muitíssimo, no meio de um banho, deixar cair o sabonete das mãos, principalmente se a companheira estiver junto, no box, compartilhando das ensaboadas. Por cortesia pura de um cavalheiro que sabe qual é o seu lugar, não se deve esperar que ela se abaixe. Jamais! Daria uma graça diferente ao ambiente, a visão da coisa, assim tipo bestial, mas, por educação... Ao ficarmos, entretanto, de bunda pra cima (no lugar da mulher amada), exatamente naquela posição em que a historia relata que o pobre do Napoleão, desconsolado, perdeu a guerra! Deve ser cômico, para quem permaneceu em pé, observando, e, com certeza, pensando baixinho, “que troço mais feio, nunca havia reparado” - mas concordem, extremamente humilhante, ainda que em nome de um gesto de cortesia, de carinho e respeito - não se importou em deixar, à visitação estatelada, de dois olhos esbugalhadamente escancarados, a visão grotesca de um murcha e surrada buzanfa branca.
Fico quicando de raiva ao levar uma panela ao fogão, para cozinhar, ou uma leiteira, para esquentar alguma coisa, topar com a torneirinha do gás fechada, e, ao apertar os botõeszinhos, o clic da chama não obedecer. Mais irado ainda não encontrar a caixa de fósforos, ou, ao atinar com ela, o riscador, de ambos os lados, se achar molhado, com um amontoado de palitos usados, guardados, sabe-se lá para quê. Tem gente que coleciona palitos queimados. Poderia enumerar várias finalidades propícias para eles, mas, seria óbvio demais. Fico com o sangue agitado ao topar com um sujeito fumando por perto (odeio o cheiro da fumaçinha do cigarro), ou alguém largar espalhado o jornal que ainda não passei os olhos, com os cadernos internos misturados. Dá uma tremedeira nas pernas, frio gélido na alma, um filho de Deus pegar o livro que se está lendo e, por descuido, ou por sacanagem, mesmo, desmarcar a página. Com sinceridade: não dá ímpetos de engolir o sujeito e palitar os dentes com a burrice dele, depois?
Não consigo controlar o forte e agudo sentimento de irritação, ao ligar para a casa de alguém, e uma criança passar a mão no fone e começar a fazer perguntas sem nexo. Dói nos ossos um imbecil ficar repetindo com voz de taquara rachada: “alôoa, alôoa, quem é? Quer falar com quem? Não tem o que fazer?”. A criança, meus caros, até dá para perdoar, mas o panaca é de encher os piquás. Calcinha na torneira do chuveiro é outra droga insuportável. Suja de sangue, então... Bacia de privada sem tampa, e a gente tendo que acomodar o traseiro na porcelana fria, e, pasmem molhada de xixi, porque um espírito de porco que a usou, anteriormente, teve o desplante de mijar fora. Fico trepado nos cascos, o telefone a se esgoelar na sala, como um desvairado, implorando, “ei pessoal, vocês estão surdos, olha eu aqui tocando, vou acabar rouco” e, a empregada sair lá da cozinha, correndo, as mãos pingando, e na hora de atender, o desgraçado, do outro lado da linha, antes de desligar, de vez, sair com essa: “demorou pra falar comigo. Você acaba de perder um microondas a lenha” e bater com o auscultador na lata. Não achar os chinelos onde foram deixados é dose para elefante; o mesmo ocorrendo com um simples lenço quando esses espirros inoportunos, em vista de alguns perfumes baratos comprados em lojinhas de R$ 1.99 resolvem atacar o nariz e o catarro garra a descer, ou a escorrer pelo bigode, deixando a gente sem saída e, ainda por cima, com cara de trouxa.
Controle remoto de televisão, de vídeo ou do aparelho de som. Nem pensar em lidar com eles. Odeio! Sempre aperto a “porrinha“ errada. Tempos atrás, ao tentar ver um filme, me enrolei com as teclas TV/FM, VÍDEO, DORMIR, entre outras. Em vista deste incidente, no instante em que consegui botar o CD pra rodar, o ator principal estava de barbas brancas e a mocinha sofrendo com mal de Parkinson. Procurar as chaves certas, para abrir a porta, principalmente quando (no meu caso, duas, além da grade de ferro), se está com a bexiga cheia, querendo correr para o toalete. “Mais mau”, nessa hora, voar para o banheiro, a bosta fustigando o rabo, quase a sujar a cueca e a infeliz da sogra ter acabado de se trancar para um prolongado asseio nas pelancas. Ah, pudesse escapar da galera que, de supetão, na calçada, para a frente, sem aviso, ou do abestalhado, que, no ônibus, tosse no rosto, ou de certos passageiros (me refiro aos homens), que deseducadamente vendo a gente acomodado, se achegam e encostam o corpo com aquele volume grosso, bem a altura da boca... Confesso dá vontade apertar as partes até o infeliz jogar a toalha, ou nesses casos, gozar no passageiro ao lado. Também é desconcertante um grupinho de estudantes (as adolescentes geralmente fazem isso), passar por nós, mochilas nas costas, ou bolsas penduradas, distribuindo porradas para tudo quanto é lado. Sem mencionar, evidentemente, aquelas criaturas afoitas, no banco de trás, que, ao se levantarem, o fazem atabalhoadamente, e, na pressa, grudam nos nossos cabelos, ou nos endereçam um tapa certeiro na orelha, ou nos óculos, e, no final, saem rindo, como se nada tivesse acontecido.
Por certo daria para estender a lista das aberrações por muitas linhas e folhas. Contudo, cairia no escárnio, e, igualmente, deixaria enervado meus leitores mais pacienciosos. Para terminar com esta ladainha, de uma vez por todas, o que me deixa realmente com vontade de arrancar o fígado, o coração, e o saco juntos, vejam só até o saco, com um tridente em brasa: na hora de namorar, depois dos beijinhos, abraços, mãozinhas bobas aqui e ali, na derradeira hora do vamos ver, a ferramenta de trabalho encolher, brochar, de vez, e não dar sinais de vida! Digam com toda sinceridade, meus prezados: não é um tremendo chute nos colhões, e, ainda por cima, com o pé esquerdo?
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.
(**) Texto adaptado para teatro por GABRIELLA SLOVICK, professora de literatura e roteirista de cinema.
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