Caderno de Emoções

Dias destes passei pelo Passeio Público e olhei instintivamente para o parque cercado. Estava apressado e ainda tentava arrumar mentalmente os fragmentos de assuntos que sobraram do final apressado da reunião que antecedera o almoço. Dei-me conta do brilho forte do Sol e o cheiro forte de maresia presenteado pelo Mar do Aterro do Flamengo, ali perto.

Tantas coisas persistem em minha mente ainda por resolver, pois ando ultimamente ocupado com vendas que não me deixam pensar em outra coisa e falar sobre outro assunto. Estou insuportável, reconheço.

Pois é, afetado pelo brilho forte do Sol de Inverno que não me deixava descontrair os olhos, foi que olhei para a praça do Passeio Público. Parei lentamente. Encostei em baixo de uma marquise ali, próximo ao Metrô da Cinelândia, um pouco depois do Cine OdeonBR, quase em frente a antiga Mesbla. Fiquei olhando para o parque. Nada especial tinha por lá, para a maioria das pessoas que passavam por ali naquele momento, certamente. Para mim, sim, tinha muito a ver. Enquanto continuava parado ali olhando para as árvores do parque e para as pessoas que estavam sentadas por lá esperando preguiçosamente o tempo do almoço passar, lembrei o quanto ando distante das Artes. Distante das emoções. Distante dos cinemas, dos concertos, dos teatros, enfim.. Até a aula de Violino parei, por conta destes compromissos de venda.

Emocionei-me, de fato, quase chorei mesmo. Mas contive as minhas emoções pois estava no Passeio Público, imaginem. Mesmo assim uma lágrima veio, e rapidamente enxuguei os olhos com o dorso da mão esquerda.

Lembrei do meu caderno azul Tilibra, da Opus, aonde sempre anoto os meus escritos, fragmentos de emoção, poesias, partituras feitas à mão e de repente para não esquecer a inspiração. Por onde anda o meu caderno de emoções? Em que página parei de registrar a vida? E tantas coisas importantes estão acontecendo em minha vida e tenho deixado irem-se sem registro. Todos os dias prometo a mim mesmo que vou retomá-lo e usá-lo como antes, mas nada, nada de conseguir tempo para isto. Estava lá, esquecido em minha bolsa de couro marrom. Todos os dias ao sair de casa faço questão de jogá-lo dentro da bolsa. Parece ser um dispositivo mental para dar segurança às minhas emoções de que não virão e irão sem deixarem seu rastro em minha lembrança impressa.

Continuei ali, olhando misterioso e melancólico para aquele lugar tão especial, que jogava-me de cabeça para dentro de mim próprio, pelo avesso, afogando-me em minhas próprias emoções. Eu pensava: Esta pessoa apressada e capitalista não é você, Gideon. Parece que a minha emoção, mesmo meio afogada dentro de mim, teimava em ralhar comigo insistentemente.

De fato, reconheço, esforço-me de forma descomunal para atender às minhas necessidades capitalistas que as circunstâncias trazem-me, mas reconheço que este perfil não encaixa-se comigo. O perfil artístico, poético, escritor, músico é muito forte em mim, mesmo que eu reconheça não ter tanto talento assim mas não consigo, mesmo em minha mediocridade, viver longe destas coisas....

Ensaiei sair dali e caminhar em direção ao restaurante, que era o meu destino, agora já respingado pela emoção e com os passos mais lentos, despreocupado com o tempo. Fui caminhando melancólico e ainda olhando para aquele parque poético. Entrei na Rua das Marrecas e enfiei-me em um restaurante barato qualquer.

Após o almoço, retornei para o escritório na Caixa Econômica Federal. Lá respirei aliviado, como se estivera submergido todo este tempo em que ficara olhando para o parque e agora, ofegante retornava para realidade chata do trabalho técnico burocrático.

Ah, uma coisa, um cômodo fechado que mantenho em minha mente, aonde guardo as minhas emoções intactas, foi aberto hoje, neste Domingo, mesmo que pelo basculante, e implorou este escrito, mas já tem um cliente insistindo em esclarecer uma dúvida sobre um produto.

Continuo longe de meu Caderno de Emoções, tão longe que nem registrei isto nele, pois estou trabalhando e o traindo ao escrever este texto aqui mesmo, no computador.