Inúmeras vezes o Fim

Ninguém pode dizer que não se amassem. Os olhares não mentiam. Mas a relação era conturbada. Sempre muito conturbada. Discussões que não levavam a nada. Minto, à sofrimento, angústia, desespero e, finalmente, às atitudes insensatas. Cada um mais orgulhoso que o outro, querendo que sua palavra prevalecesse. E com cada briga, horas, senão dias, eram perdidos. Afastados um do outro nada conseguiam fazer. Trabalho, estudo e quaisquer outras atividades cotidianas eram mal feitas. O grande mau humor imperava. É claro que criavam as mais mirabolantes situações para se encontrarem. Cada um ao seu modo, é óbvio. E enfim o encontro acontecia. O mundo se enchia de rosa e vermelho, o sol se estava escondido reaparecia. Os sons agora eram suaves, calmantes. O coração de ambos tornava-se tranquilo. E faziam amor. Um lindo amor que poucas pessoas já conheceram. Ficavam aconchegados, admirados com a beleza do outro. Declarações e mais declarações de amor eterno e promessas de que nunca mais iriam brigar. Infelizmente, promessas que não eram cumpridas. Após tanto carinho uma única palavra era capaz de gerar ciúmes ou qualquer outra sensação desconfortável, desfavorável para a relação. Pronto, ainda com o suor do outro no corpo, esquivavam-se, revoltavam-se e era novamente o fim. Se eu pudesse contar quantas vezes isto se repetiu. Mas realmente, perdi a conta. Agora, quando me lembro queria ter agido diferente. Ter aconselhado os dois a apenas se amarem. Aproveitarem esse sentimento que eu mesmo, nunca conheci. Quando soube que um deles sofrera um terrível acidente fiquei horrorizado. Chorei. Algo que não sou acostumado. Chorei porque com eles pude acreditar que o amor existe. Eles apenas não conseguiam compreender a dimensão do que estavam vivendo. Eram tão jovens e achavam que é assim, cada nova pessoa que encontramos, um novo amor. Mentira. Posso dizer, com minha idade avançada: mentira cabulosa que nos contam e quando ainda somos ingênuos acreditamos piamente. Cada vez que relembro dos dois, sofro sozinho, quieto no meu canto. Queria ter contado para eles que a vida é muito curta, que quando se ama deve-se esquecer as outras emoçõezinhas baratas que irão competir com o amor. Brigas são desnecessárias e só geram perda de tempo e no caso deles, de vida. Foi após uma briga, um fim daqueles tantos que existiram, que o real fim aconteceu. Um deles, ao pegar o carro sem a menor consciência do que estava fazendo perdeu a direção e então já era tarde demais. O fim, que eles tanto tentaram criar inúmeras vezes, lhes foi imposto.

Bia Guti
Enviado por Bia Guti em 24/07/2010
Código do texto: T2397668
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