Arrependeu? É tarde
Dona Vanda sempre foi uma mulher ponderada, dessas pessoas antigas que acreditam em coisas hoje meio desacreditadas, como, por exemplo, a palavra dada. Prometeu, tem que cumprir. Tempos desses atrás, numa conversa fiada de final de tarde, animada e regada a café preto e bolo de fubá, conversávamos Dona Vanda, eu e a prima Paula sobre o recorrente tema morte e sobre haver ou não vida após a morte. Dona Vanda e eu somos convictos da existência do espírito e da vida após a morte. Já a Paula é entusiasta adepta da incredulidade uma vez que, como ela mesma diz, espírito não pode ser visto, apalpado nem cheirado , portanto, não existe. E ela é veemente, se inflama, fala alto, bate na mesa, estufa a aorta – só faltando “clamar pelos deuses do Olimpo” – e esse ferver do sangue por vezes a faz dizer ou fazer algo que depois gostaria de desfazer, mas é tarde. E dessa vez não foi diferente. Lá pelas tantas Diz ela à Dona Vanda - Tia. A ordem natural das coisas é que você parta antes de mim, né? - Claro, responde Dona Vanda, com aquele sorrisinho de quem lê mente, e sabe que por aí vem coisa. Continua. – Pois é, tia, já que você deve partir antes de mim, vamos fazer um trato. Venha ou arranje um jeito de fazer contato comigo dizendo como é lá do outro lado. Vou ficar esperando, hem? – Tá combinado, concordou Dona Vanda. E não pode voltar atrás, combinado? Disse isso rindo aquele rizinho misterioso e encantador que inspirava confiança e carinho. Dona Vanda viajou para Brasília e lá, esperou apenas pelo casamento da neta mais nova para depois começar a desligar-se da vida terrena. E aos poucos ela foi “encolhendo”, até que precisou ser internada. E a Paula viajou para Brasília afim de nos ajudar e acompanhar e cuidar da nossa velhinha querida. Dona Vanda já não falava nada e a Paula nem se lembrava da conversa, menos ainda do combinado e ainda menos de que Dona Vanda sempre foi uma mulher de palavra. A prima precisou voltar ao Rio de Janeiro e alguns dias depois, finalzinho de junho, Dona Vanda partia. Passado alguns dias não resisti à tentação de escrever à Paula lembrando-a do combinado e do lema da D Vanda. “ prometeu, tem que cumprir”. Ainda não pude voltar ao Rio, mas desconfio – e rio pensando nisso – que a prima querida deve estar dormindo de luz acesa desde então.