Animais estranhos
Esta semana deixei uma criancinha de quatro anos folhear um livro sobre animais e ela me perguntou que bicho era aquele, com orelhas caídas e compridas. Era um cão Basset Hound. Esse fato trouxe-me à lembrança que quando pequena eu quis saber que bicho era o Pluto e o Pateta dos quadrinhos, e minha irmã, que por ser mais velha sabia tudo, disse-me que era cachorro. Fiquei indignada porque eu estava vendo que não era. No quintal tínhamos um belo Pastor Alemão, de orelhas bem levantadas que me indicavam perfeitamente como era um cachorro. Dessa mesma forma minha amiguinha via como um animal estranho aquele tão diferente do Poodle que ela tinha em casa.
Fui crescendo e percebendo que as coisas não eram todas iguais às que eu tinha em casa. Minha família e meu cachorro não eram padrão. Na escola achava que a professora que gritava “Cala boca menina!” por certo não gostava de mim e numa bela hora ela me presenteia com um livro. Disse que eu era “aplicada”. Tive que descobrir o que significava a palavra e conviver com alguém que gosta de mim e grita.
Em outros momentos da vida descobri que o que aprendi sobre não mentir não era universal. Aprendi que as regras da escola não eram para todos. Havia gente que não podia ter uniforme nem comprar livro. Mesmo não entendendo o porquê das coisas fui vendo o quanto o mundo é diferente de nossa casa.
As pessoas são como os animais. Cada professor com os quais me deparei tinham prioridades diferentes. Houve os que exigiam caderno limpinho e sem orelha. Houve os que queriam conhecimento e pouco ligavam para nosso caderno. Houve os que transmitiam lição de moral em prejuízo do programa de ensino da época.
Não eram as orelhas compridas, nem as manchas no pêlo, mas as diferenças estavam lá.