A FAMÍLIA DO TATU
A FAMILIA DO TATU
Em todo lugar tem pessoas diferentes, com costumes e culturas diferentes que as tornam tão peculiares e a partir de então inesquecíveis. Eu conheci uma família assim.
Por muitos anos, cerca de trinta e cinco minha família e eu morávamos numa pequena cidade no interior do Paraná. Uma cidadela acolhedora, de economia essencialmente agrícola; tão agrícola que até em seu hino se canta: ”[...] quando o sol em filetes de ouro tece longos rendões de café [...], pois bem, nos períodos áureos da economia cafeeira do município morávamos na zona rural, logo não sei precisar quando aquela família chegou à cidade e nem sua origem.
Tudo que sei é que conheci naquela cidadezinha a família do “Tatu”, nunca soube seu verdadeiro nome, porque ele próprio se dizia “Tatu”. Um homem cabelos lisos, vermelhos, sempre penteados para trás, mas nunca curtos como os outros senhores de sua idade usavam. Um sujeito de estatura baixa, atarracado; de braços grossos de pelame avermelhado; que mascava fumo e andava de alpercatas ou de havaianas. A roupa sempre suja de terra. Tinha por ocupação furar fossas. Talvez daí venha o apelido “Tatu”.
Sua esposa era uma mulher alta, roliça, de cabelos lisos e curtos. Às vezes vestia uma peça sobre outra, uns modelos diferentes; gostava de usar brincos de penduricalho e pulseiras de contas. Usava um pendentif preso a um barbante. A roupa era mal lavada e amarrotada. Quando resolvia conversar com a gente mostrava o sotaque, uma espécie de mistura entre malinca e polonês. Os olhos azuis desbotados fixavam argutos o rosto do interlocutor, para em seguida buscar o chão e não mais se erguerem.
Aquele casal tinha uma filha. Uma criatura de tez branca, de pálidos olhos azuis, sorriso abobalhado, cabelos ralos, lisos e muito finos sempre cobertos por um chapeuzinho de tecido com aba em forma de babado. Não andava, não falava, não cresceu... Era uma adulta criança que vivia brincando pelo chão. Para transportar de um lado para outro a mãe usava um carrinho de madeira.
Quantas vezes, quando ia pra escola, encontrava aquela mulher levando no ombro o bornal com a marmita para o marido e arrastando penosamente o carrinho com a filha paralítica.
Mil vezes via aquela cena sem me dar conta de sua importância. Sem perceber o amor intenso que unia aquela família.
Um dia, a filha do Tatu faleceu. A mãe recolheu-se num luto tão intenso e pouco tempo mais durou. De repente, a noticia... ”A mulher do Tatu morreu”.
Tudo foi acontecendo sem ninguém se dar conta e aquele homem solitário que ficou perambulando pelas ruas da cidadezinha; adoeceu e um dia foi encontrado morto.
Seu casebre ficou lá... Silencioso entre os eucaliptos, triste, abandonado...
Eu nunca visitei a família do Tatu em sua residência, um dia estava passando nos arredores, desviei do meu caminho e parei diante do casebre. Vi ali os vestígios daqueles que um dia foram seus moradores: uma bacia de plástico, uma boneca sem olhos e sem braços, latas, um balaio e uma velha pá.
Uma dor intensa me apertou o peito, então eu senti saudades da “Família do Tatu”.
Wanderlice de Souza Carvalho. 26/01/10