A Síndica

A Síndica

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Lisbela.

Mais conhecida por Lili.

Moradora antiga do Condomínio Gatopardo.

Assim mesmo.

Tudo junto.

Aos 40 anos, Lili sorria quando pensava ter abdicado de dois casamentos pela profissão.

Jornalista.

Era a editora policial do maior jornal da cidade.

Seguiu direitinho os conselhos do melhor professor:

- Jornalista que não passa por uma editoria de polícia, nunca vai aprender a ser jornalista.

E lá foi ela.

Até parto fez no morro.

Cobrindo uma apreensão de maconha, deu de cara com o maior tiroteio entre polícia e traficantes.

Entrou na primeira porta que viu pela frente.

Lá dentro, uma moça entrava em trabalho de parto.

Lili pôs a criança no mundo.

E na sequência desmaiou.

Grande Lili!

Anos de boas matérias lhe garantiram a chefia da redação.

Lili era mesmo fera.

Tinha vícios (afinal, quem não os tem?).

Todos os dias, tomava suco de melancia com limão capeta.

E ia pra cama dormir.

Uma noite, após um longo dia de serviço, Lili voltou para casa e-xaus-ta!

Ao entrar, uma reunião de condomínio acontecia bem ali, no hall de entrada.

Lugar mais estranho de se fazer reunião...

Lili acenou para todos com a cabeça e, mais do que depressa, tentou alcançar o elevador.

Tarde demais.

O síndico já gritava seu nome como uma ótima opção para o cargo.

- Dona Lili é um valioso nome para o nosso condomínio!

- Mas...

- Não se preocupe. Sabemos que seu tempo é pouco, portanto terá a ajuda que precisar.

- Mas...

- Não tem “mas”, D. Lili. Afinal, todos aqui já fomos síndicos, menos a senhora.

- Mas...

- Dona Lili, falando mais claramente: nós, condôminos, escolhemos a senhora. E não aceitamos recusa!

O síndico estava muito bravo.

Debaixo do aplauso de todos, Lisbela, mais conhecida por Lili, foi eleita a nova síndica do prédio.

Gatopardo.

Assim mesmo.

Tudo junto.

Nem o limão capeta pode com ela naquela noite.

Mais precisamente no final de semana seguinte, começou o inferno de Lili, a síndica.

Ao sair para a habitual caminhada de domingo, deu de cara com a vizinha do 302.

- Dona Lili, a senhora tem que fazer alguma coisa. Jogaram bola para o Michael Jackson! A vizinha estava em prantos.

- Quem é Michael Jackson?

- Meu filhinho.

- Tentaram matar o seu filho? Mas isto é muito sério, dona Amélia. Temos que registrar ocorrência. Como ele está?

- Não consegue mais latir, o pobrezinho.

Lili, a síndica, teve ímpetos de voar no pescoço de dona Amélia.

- A senhora tem que ir lá em casa para ver o coitadinho.

E Lili foi.

Lá encontrou os filhos (reais) de dona Amélia.

Histéricos.

- Tenho certeza que foi aquele maldito cachaceiro do 506!

- Eu acho que foi a Bené. Aquela gorda do 208. Ela sempre reclamou que o Michael latia muito. E agora, olha só como o pobrezinho ficou...

- E a Dirlene? Queria porque queria que ele fosse com a gente pro sítio, pra não ficar latindo o final de semana todo, como ela dizia. Vê lá se o nosso Michael latia o tempo todo! Tão educadinho... Tadinho... E agora mudo... Quanta maldade!

A confusão era tanta, que Lili, a síndica, resolveu dar um basta naquele monte de suposições:

- Não podemos ficar sugerindo este ou aquele nome. Afinal, todos são suspeitos, até que se prove o contrário. Além do mais, não podemos descartar a possibilidade de tentativa de suicídio!

A família quis processar a síndica.

Mas o tormento mesmo aconteceu no meio da semana.

Estava Lili, a editora, saindo de casa para trabalhar, quando escutou o maior berreiro em frente a sua porta.

Era Norma, 604, enlouquecida porque sua televisão não pegava os canais abertos.

Aos gritos, ela dizia:

- E o técnico não sai lá de casa enquanto a minha televisão não pegar!

Lili, a síndica, assustou.

- Como é que é isso?

- Dona Lili, comprei uma televisão de um amigo. Usada, claro. Sabe como é, dinheiro tá dificílimo de arrumar. Não sou como a senhora...

- Dona Norma! Foco! Temos que ter foco!

- Mal liguei a bendita, ai dona Lili, aquele Tony Ramos me tira do sério falando com sotaque italia....

- Dona Norma! Olha o foco!!!

- Pois bem, quando liguei a televisão vi que não pegava canal algum. Aí chamei o técnico, que tá lá em cima até agora.

- A senhora deixou o técnico na sua casa, dona Norma?

- Deixei e tranquei a porta.

- Dona Norma, o técnico está trancado dentro do seu apartamento?

- Está! E só sai de lá quando fizer a televisão pegar!

Lili, a síndica e editora de polícia, subiu as escadas aos pulos, segurando dona Norma pelo pulso.

Abriu a porta e deu de cara com o técnico esparramado no sofá, lendo Caras.

- Mas o quê é isso? Lili perguntou.

- Olha dona, não sei o que é isso não. Só sei que essa daí pode me deixar aqui até eu criar rabo, que não vou conseguir colocar essa porqueira para funcionar.

- Não fala mal da minha televisão nova!

- Nova? Com todo o respeito que a senhora é merecedora, quem tem amigo que vende uma coisa dessas, não precisa de goleiro Bruno na vida não.

Norma quis bater no técnico, não fosse Lili apartar.

Resolvido o imbróglio, Lisbela, apenas Lisbela, pediu demissão do cargo.

Fazer parto no morro era menos perigoso que ser síndica do Condomínio Gatopardo.

Assim mesmo.

Tudo junto.