CONFISSÕES DO MAR (II)

Em homenagem aos 391 anos de São Luís do Maranhão, em 08 de setembro.

Ilha Bela, 391 anos de histórias de amor não contadas, guardo-os nas vazantes de minhas marés. Nenhum gentil-homem francês, ainda que sobrevivesse há tanto tempo, como sobrevivi, amar-te-ia tanto quanto eu te amei...

O amor de um mar, tresloucado e apaixonado, removeu três centúrias e montanhas de anos só para te contemplar. Estás garbosa e faceira, orgulhosa e tenaz, arquejando reggae jamaicano entre os ares atenienses dos quais já desfrutaste.

391 anos de esperas e contemplação... Depois daqueles 08 dias de setembro em que te vi conquistada, busquei inúmeras maneiras de expulsar do teu coração o novo amante europeu. Eu precisava de um aliado que, sob a âncora do meu ciúme desvairado, pudesse te devolver para mim. E lá estavam Jerônimo de Albuquerque, Alexandre de Moura.... Os portugueses era um inimigo, mas na mesma situação de solidão, tentando reconquistar um amor perdido.

Ilha Francesa, não foram os ataques dos portugueses que refrearam a França Equinocial. Meu exército de tubarões derrotou os náufragos franceses, quando abatidos pelos comandados de Brito Freire. Nem Jerônimo, nem Alexandre, ninguém seria herói, não fosse o milagre de Nossa Senhora da Vitória, mãe de Deus. Mas ela não veio dos céus; ela veio das minhas águas, salgadas de mágoas pelas amarguras que os amantes invasores te causavam.

Ilha das assombrações, ainda hoje os fantasmas coloniais resistem ao tempo. Em tuas formosas formas, ainda sobejam lembranças de todos aqueles pelos quais me trocaste. O forte de La Ravardière resguarda o palácio que alguns leões devoraram e que agora novos felídeos restauraram. Daniel se foi, mas continua nas entranhas de tua avenida. Da mesma forma, Jerônimo de Albuquerque, Alexandre de Moura, Guaxenduba e até os holandeses fazem histórias na tua urbanização, enquanto eu permaneço diminuto no meio do nada, sem um nome de praça, sem um nome de rua, sem pelo menos um beco que trouxesse a denominação de beco do mar. E, para completar minha agonia, entre mim e ti, a avenida que beira-mar traz o estigma do marasmo que nos separa.

Cidade de La Ravardière, bisneta espiritual de João de Barros, filha brasileira e mestiça de afidalgada crioula lusitana e de romântico gentil-homem francês, hoje diante de todo o progresso por que passaste, penso, por vezes, que tu és o mar e eu sozinho, ainda à espera de que me amas, sou a ilha.

Wanda Cunha
Enviado por Wanda Cunha em 23/07/2010
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