No fio
Que coisa. Era tudo o que nunca poderia imaginar. Estava ali em cima, bem em cima. Num galho de árvore? Sim, por que não?! De manga.
Era tão miúdo e frágil, tão, como diria um poeta simbolista, tão etéreo em sua fragilidade, à mercê de pequenos perigos, como as baladeiras e pedras dos meninos, ou de more perigos, como curto-circuito, um arrebentamento do fio... Credo! Como imagino bobagens!
Desculpe-me o caro leitor. Sou tão verborrágico... Mas deixe-me continuar. E desta vez sem mentir.
Estava ali, sim. Mas era num fio. Aliás, como disse, não vou mentir -- e por isso mesmo preciso explicar muito bem -- , ele estava num cruzamento de fios, bem numa esquina, próximo de casa. Juro! Não fui só eu que vi, não. Minha esposa, minha sogra e um amigo também o viram. Eles podem dar testemunho da veracidade do fato.
Gente, pasmem todos! Um beija-flor no fio, um lindo verdeazuladopretomiúdo beija-flor. Estava sentado num pequeno e geométrico ninho, engenhosamente alicerçado sobre uma junção dos fios. Que lindo! E que estranho também.
Gente, por que esta avezinha, como diria uma criança, tão miudinha e lindazinha, por que escolheu logo um fio elétrico? Por que não uma árvore florida? Um jambeiro, por exemplo, tão florido nesta época do ano? Tão escondida ficaria, por entre as sombras dos seus ramos, tão anônimo e tão por isso mesmo protegido de nossa espécie sádica em suas “brincadeiras” infantis.
Mas talvez o gosto pela passagem das pessoas, pela conversação mal compreendida, pelo ruído dos carros, pelas brincadeiras das molecadas das redondezas e, por que não, pelo namoro dos casais, nada muito raro naquela esquina, principalmente á noite; sim, talvez o motivo seja isso, ou talvez algo com o qual o meu raciocínio humano não possa atinar.
E os dias deste verão passam, e eu não posso tirar o pássaro da cabeça. E o ninho também. Será que outras pessoas já o viram? Ah!Que desejo de tirar uma foto, filmar, mostrar nos jornais, eu, reporte fulano de tal: “Um ninho de beija-flor foi encontrado...” E me vieram subitamente as palavras “... derrubado na esquina das ruas...” Não! Não pode ser! Vou manter guarda. Dia e noite. Não sairei mais de lá. Levarei metralhadoras, morteiros, granadas... Que loucura!
Mas enfim passa o tempo. Os filhotes já nasceram. Vejo diariamente a mãe alimentá-los. Sou um observador atento e encantado.
E não sei bem o porquê, mas sinto um amor indefinível por estes pássaros, um não sei quê de melancólico, inquietante...
Não, não deixarei nunca de vigiá-los, prometi a mim mesmo, não ficarei sem pensar, sem me preocupar, sem me sentir responsável, sequer um dia, pelo destino infelizmente tão incerto destas avezinhas, tão... tão mesmo o quê?...
Ah! Sim, lembrei-me: e-té-re-as!