Caminhos entrelaçados
Ele cantava o amor, a vida e as mulheres. Ela não cantava nada. Muito mal se emocionava com a novela das oito.
Cantador errante, ele acabou batendo em seu portão de grades coloniais. Ela assumiu seu carma sem entender de esoterismo.
Embora sem preocupação, ele ficava impressionado com a vulgaridade daquela mulher comum. Ela comungava semanalmente e gostava de pensar-se nua na sacristia, com o padre à deriva.
Ele carregava pedras na mochila, uma garrafa de conhaque e um retrato 3x4 de São Martinho, o padroeiro dos bêbados. Ela levava um leptop, batom, celular último modelo e camisinha feminina.
Ele exorcizava os demônios tomando cachaça com limão e praticando a poesia dos desvalidos. Ela vivia algemada pelo feitiço da banalidade, pensando que estava no sétimo céu, passando ao largo dos templos de Baco.
Ele praticava o amor cortês, com esperança de que fosse tratado como o lulu de estimação. Ela lavrava sua vida sem sangue e sem espírito.
Ele, ao acaso dos fatos, perdeu seu rumo e navegou na transgressão. Preso, fez-se incorrigível e pegou pena perpétua e definitiva: casou.
Ela, à moda das mulheres de Atenas, despe-se pra o seu marido, e à moda das madames lúbricas da Rua das Flores, aprecia o malandro de olhar sedutor e gentileza gratuita.
Ele fugiu para o interior e destruiu seu interior. Ela ficou na capital acumulando.
Ele a acompanha por toda a Eternidade, sorvendo a taça da servidão e o constrangimento eterno da mágoa dos traídos. Ela queima na febre dos insensatos, abrasa na grelha do sexo insano e delirante. Ele murcha na pira dos derrubados.