Cenas quotidianas
Via as pessoas se movimentando pela sala com um sentimento de profundo respeito por aquela agitação inocente, até mesmo pueril. Admirava-os por serem cegos quanto à seu aspecto mortal, por não respirarem sofregamente, por conversarem trivialidades - jamais o Homem conseguiria expor assim às mais superficiais apreciações sua rotina e sentimentos.
Admirava-os, sem, no entanto, usurpá-los em seus estilos de vida, sabia que não tinha retorno o ponto de conhecimento que alcançara e que seria-lhe automaticamente exigido mais esforços para seguir adiante. Conhecia seu aspecto "sui generis", a atração e repulsa que exercia sobre as pessoas.
Detinha-se a observar um casal que comia um lanche sobre a carteira de se escrever, tomavam uma Coca-Cola descuidadamente e mastigavam um grande pão de queijo; amava-os por estarem unidos, por exercerem o papel que lhes cabe na vida; era ao mesmo tempo revelador: mostrava o homem acanhado, contido, às raias da timidez, mantinha-se calado, com ar sério e inflexivo, já quanto à "fêmea" era vívida! posuia o viço das mulheres de "quase trinta", comunicativa e sorridente, mordia seu lanche vigorosamente, enquanto o marido (ou namorado) mastigava como uma criança sem vontade de comer.
À essa análise, supunha corroborar-se verdadeira, fitando nos cabelos pintados (loiros) da esposa um ornamento rosa - chock com uma perolazinha no meio, o que causava-lhe um ar de peraltice, de "menina sapeca", o laço contrastava com o uniforme de hospital que vestia, todo o ar de seriedade e profissionalismo que seu traje deveria transmitir era dissipado pelo enfeite...