O olhar caindo
O olhar caindo
Você lembra? Não?! Nem poderia. Foi um instante mais ligeiro! Mas deixa eu lhe contar:
Exatamente num momento da manhã, uma manhã azul e branca, em que você estava noturnamente vestida, ou melhor: vestida pro trabalho, que em minha noção de vagabundo a noite começa quando a gente começa a trabalhar. Aí, atenta que você andava, concentrada no ofício, você declinou o rosto suavemente, apontando pelo olhar uma direção oblíqua que, de cara, parecia mirar o chão, mas, aguçando o coração, pude ver que dava pro infinito, pro tempo, pro país silente e profundo das mulheres.
Assim foi, bonita mulher, numa pausa suspensa num segundo (se muito), que eu gravei na alma, alicerçada em funda poesia despalavrada, aguda e marcante como um cravo, essa ponte que você abriu pra solidão de uma dimensão de estrelas, de lamento deslumbrante, feito objeto suspenso.
Sabe que... Seus cabelos, sei lá; eram umas coisas, uns portais pra beleza. Pendiam, doces, puríssimos, mas afetados por um sofrimento submerso, que rebrilhou no exato momento de os olhos (planetas azuis) adernarem, de os olhos apontarem pra contemplação. Ah, eu lhe amei tanto mais assim que lhe vi absorta; tanto mais me fiz humilde cientista da iluminação indireta que vazava do que você via por dentro!...
Quis beijar sua boca, quis ver se seria possível entender, no espelho de suas pupilas, que miragem triste e encantada lhe rajava de tanto mar em mistério.
Mas calei, fechado como fruto depois de flor. Sorri. Quis viver pra sempre. Quis trabalhar feito estivador. Quis cerrar os olhos e fixar no peito aquela visão feminina que, pra mim, foi a coisa mais assemelhada à palavra vida que jamais vi.
Vê? Lembra? Não, ainda? Deixa quieto. Mas você pode continuar sendo assim, pra sempre? Pode! Vai deixar eu lhe espionar? Não sorria que o negócio é sério! Vai ou não vai? Vai! Então serei feliz.
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