A GENTE PENSA QUE MANDA NA VIDA DA GENTE
A gente se policia todo dia para escapar. Para sobreviver. Faz de tudo para ficar mais seguro neste mundo vulnerável. As residências perdem sua beleza com grades nas janelas e portas. Temos medo até de usar bijuterias, podem ser confundidas com jóias.
Os assaltos acontecem nas ruas, nos ônibus, nos bancos, nos velórios, nas faculdades, nos semáforos, nas residências, enfim em todo e qualquer lugar. Sabemos exatamente o que devemos fazer durante um assalto. Não reagir, nem tentar fugir, não fazer movimentos bruscos e é até aconselhável se prevenir com um dinheirinho para o ladrão.
Uma colega contou detalhadamente a invasão de sua casa por um desses malfeitores. Era quase madrugada. Ela dormia em sono solto em virtude de uma viagem que faria para capital logo ao despontar do sol. Ao escutar um barulho sentou rapidamente na cama julgando ser o esposo já pronto para a viagem. Deparou com um revolver em sua cabeça, enquanto uma outra pessoa fazia o arrastão. O delinqüente ao tempo que apontava a arma, advertia: Fique calada que nada de ruim acontecerá com você. E ao se retirar ordenou: Permaneça em silêncio por certo tempo. E foram-se levando todo o dinheiro da viagem e tudo que encontram ao seu alcance.
Diante da narrativa deste assalto eu dizia para mim mesma. Se eu escutar qualquer anormalidade desta natureza durante a noite eu finjo que estou dormindo. A gente se planeja, se prepara, mas na hora “H” a coisa é diferente.
Foi numa madrugada, precisamente às duas horas da manhã. Estava ferrada no sono, como diz o ditado. O pequenez de nome, Hero, latia incansavelmente até que despertei embora não completamente. Sonolenta, com o andar de quem não está dono de suas ações, cambaleando, percorri todo o corredor dos dormitórios sem nem sequer acender as luzes. A vidraça da janela trazia do céu o clarão da lua. Minha intenção era acalentar o pequenez. Seria um gato comendo sua comida? Abri a porta que me conduzia a cozinha, verifiquei que tudo estava fora do lugar, senti falta da televisão, já estava totalmente desperta e gritei. Ladrãaaaaaaaaaooo!!! Ladrão! Ladrão!
Todos da casa acordaram espantados e dirigiu-se ao local do crime enquanto eu já havia pulado a mesma janela entreaberta pelos ladrões, que ficava acima da pia e estava na rua gritando desesperadamente: Ladrãaaaaaaa!!! Não sei onde arranjei a destreza de subir rapidamente na pia sem ajuda de nenhuma cadeira, de pular para o terraço interno e correr com tanto velocidade para perseguir os larápios.
Vi apenas um vulto de um deles carregando a televisão no ombro e adentrando num matagal próximo a casa subtraída. A polícia chegou rapidamente, para surpresa nossa. Encontrou três pares de chinelo no pé do muro. No chão, abaixo da janela da cozinha, um facão enorme e mais duas facas menores. Eles eram três. Os policiais vasculharam o matagal e encontraram a televisão, ela estava lá escondida entre folhas. Foi só o que levaram. O herói, Hero, não deu tempo para eles realizassem seu intento.
Como o brasileiro só fecha a porta depois de roubado hoje minha casa está totalmente segura pelas grades de ferro, perdeu a beleza. A vida é assim feita de ganhos e perdas. Ganhei segurança.
Está história é para ratificar aquela frase: “A gente pensa que manda na vida da gente.” Não manda. Cadê aquela minha preparação para fingir dormir enquanto o ladrão fazia seu assalto? Eu dei sorte. O certo mesmo é seguir aquelas recomendações de nunca enfrentar o malfeitor. Continuo dizendo para mim mesma, nunca devo repetir tal atitude. Todo hora a gente está vendo exemplo de pessoas que perderam sua vida ao reagirem um assalto. Vão-se os anéis ficam os dedos.
Na minha rua passa muitas pessoas excêntricas, aquelas pessoas que tem cara de marginal, talvez até esteja utilizando estereotipo ao fazer essa afirmação, mas o certo é que quando eles passam e me encaram eu suspeito que estejam pensando assim: Nesta casa mora uma doida, eu não volto nunca mais aí...