ARRUMANDO GAVETAS.....

Dias desses estava arrumando umas gavetas, coisa que só faço quando estão no limite do caos.

E fiquei matutando enquanto fazia, essa tarefa tão enfadonha para mim.

Eu nunca gostei de arrumar gavetas, desde criança, e continuo igual, agora que com certeza, não sou mais criança.

Muitas coisas foram se agregando aos meus gostos ao longo desses quase 60 anos.

Mas outras insistem em continuar sendo um desgosto para o meu gosto.

Desde a infância sempre gostei de folhar revistas, livros, e depois que fui alfabetizada, ler tornou-se meu mais gostoso lazer.

E isso só aumento com o passar dos anos.

Agora tenho que reconhecer, que há algumas surpresas nessa tarefa enfadonha de arrumar gavetas.

Enquanto colocava ordem em uma delas, encontrei uma caixinha muito antiga, me sentei no chão do closet, para abrí-la.

E lá estava entre outras coisas, meu boletim da terceira serie do ginásio.

Fui buscar os óculos, já que sem ele, sou cega para ler, inconveniências que o fator idade me trouxe.

Mas, nada que um bom par de lentes na graduação certa não resolva.

E além do mais, se a passagem dos anos, tirou-me alguns graus da visão física, deu-me de contra-peso, uma visão da vida e do viver muito mais ampla e aguçada, que compensa de sobra a perda da outra.

Bem, mas voltando ao boletim, agora de óculos, pude me deliciar vendo minhas notas.

E o que eu, nem mais lembrava estava lá escrito mês a mês. Matemática, precisava de sete, de média mensal para ao final do ano passar.

E minha nota variava entre sete, em alguns meses seis ou seis e meio.

Corria atrás depois, para tirar um oito, e emprestar ao mês que só consegui um seis.

Olhando aquele boletim tão antigo, amarelado, fui analisando o quanto eu sempre gostei menos das exatas.

Em geografia e história, minha média era sempre oito ou nove.

Em português também, tinha um bom rendimento, o que me salvava nessa matéria eram as redações, que a professora sempre considerava, mais a construção da ideia e menos os erros ortográficos.

Depois me deparei com minha foto no boletim, lá encontrei uma menina-moça.

Me detive a olhá-la.

E constatei que quase tudo naquele rosto, está bem diferente, a pele ganhou sulcos, que chamo de rastros de caminhos percorridos.

Ela também, não possui o mesmo tonus, dizem os médicos, que os hormônios são os culpados por isso.

Os cabelos longos e castanhos da cor da amêndoa, também, assim não estão.

Hoje, estão cortados a altura do ombro e a cor ao natural, em nada lembra o castanho original.

Há muito eles teimam em mudar de cor, sem nem me perguntar se gosto da cor branca como a neve, que foi surgindo.

Eu, mais teimosa que eles, os pinto e repinto.

Porém, o castanho da cor da amêndoa, nunca mais consegui igual.

Mas algo na foto daquela menina-moça, não mudou até hoje.

Os olhos que no retrato mostram um brilho intenso, uma busca pela vida e o viver.

O brilho da pele e dos cabelos, há muito perderam o viço daquela idade.

Porém o olhar não, esse permanece igual.

Diria que somente hoje, um brilho mais maduro, que enxerga a vida com mais completude, mais gratidão a tudo e a todos.

Mas neles permanece a vontade de seguir a vida, aprendendo e realizando, buscando conhecer cada dia um pouco mais, gostando dos desafios, e com eles sempre tentando aprender e realizar em si, algo de melhor.

Terminei de arrumar aquela gaveta, pensando que preciso começar a gostar dessa tarefa, pois ela sem dúvida, não é de todo enfadonha.

Às vezes nos reserva algumas surpresas agradáveis.

E naquele achado, como se embarcasse na cauda de um cometa, consegui relembrar boa parte da trajetória daquela menina-moça.

Que hoje, não tem mais aquele rostinho liso, de pele de pêssego, nem os cabelos longos e brilhantes, da cor da amêndoa.

Mas o brilho intenso do olhar, esse ela não perdeu......

Lenapena
Enviado por Lenapena em 21/07/2010
Reeditado em 07/09/2011
Código do texto: T2390602