Sorte Madrasta, Esposa do Murphy
Tem quase um ano que eu escrevo "oficialmente" - uso o advérbio de "oficial" para cunhar a minha descoberta da capacidade de criar histórias e baboseiras que não são necessariamente experiências da minha vida, porque antes disso eu já escrevia meus lamurios dispensáveis por aí. E foi lendo um lamurio e outro que me falaram que eu tinha um jeito/estilo de escrever parecido com o de um tal de Charles Bukowski. Me senti um pouco lisonjeado por ter o estilo parecido com o de alguém que eu via o nome estampado em livrinhos pocket em bancas de jornais e que tinha inspirado o nome de uma das minhas bandas favoritas. Charles Bukowski era, pra mim, apenas o nome de um célebre escritor russo qualquer. Ledo engano. Alemão, americano, não era um célebre escritor qualquer. A Kelly - uma balzaquiana que sumiu da vida online e que encontro esporadicamente no trampo - me presenteou com um livro dele. Fiquei de cara. Abismado, encantado. E um pouco apreensivo: era como se ele falasse diretamente para a minha alma. Cáustico, irônico, depreciativo. Fiquei apreensivo, pois poderia perder a minha individualidade ao escrever porque porra, a inspiração que começou a surgir depois que eu comecei a ler as Notas de Um Velho Safado foi maior do que a minha capacidade de conseguir colocá-las no papel. Bom, onde eu quero chegar com isso? O relato que vou fazer será no estilo dele. Aliás, no meu estilo, mas bebendo totalmente na fonte dele. Deu pra entender? Não vou amenizar, não vou poupar palavras podres, não vou ser sutil. Não, e se você tem estômago fraco, fique por aqui mesmo, porque uma alma escrota precisa escrever. E essa alma é a minha.
Não sei se a ordem cronológica dos acontecimentos que aqui serão narrados tem alguma importância. Mas o que aconteceu ou deixou de acontecer no dia de ontem tem uma parcela de influência nos meus infortúnios do meu dia de hoje. Descobri que virei um preguiçoso de marca maior. Um procrastinador crônico. Um doente, sofredor do mal do "deixa pra amanhã/deixa pra depois/depois eu faço". Incrível como no dia de treinar as pernas na academia a preguiça chega de forma violenta! Ontem, segunda, era dia de treinar perna e eu ia direto pra academia, mas resolvi dar uma passadinha em casa para resolver meus tenesmos. Aí o computador ligado, a cama confortável, o soninho e eu acabei decidindo ficar em casa - embasado numa desculpinha mental esfarrapada qualquer - e ir treinar no dia seguinte antes de ir trabalhar - o que significa acordar às 05:45hs. Pessoas que se enganam. Então, como eu ia dizendo, não fui treinar pra ficar em casa descansando - leia-se: "não fazendo porra nenhuma de realmente interessante/produtivo e não descansando merda nenhuma".
(Pausa na digitação. Alguma coisa me incomoda).
Entrei em alguns sites para visualizar a anatomia feminina e fiquei tentado. Me segurei. Tentei lembrar a última vez que tinha feito tal atividade e não consegui me lembrar. Já era alguma coisa, algum progresso no celibato. O que era uma panóplia carnal, vixe Maria, nem saberia mais dizer! Não estava sendo um ano bom nesse campo. Bom, de qualquer forma isso - como qualquer outra coisa que você virá a ler aqui - não importa. Mas foi importante. É importante. Não importa, mas é importante. Saca? Pensei em tomar banho, mas fiquei com preguiça. "Amanhã antes de ir treinar eu tomo".
Eu pronto para me despedir da galera maneira que estava online (já passava das 00:30hs!) e uma pessoa me mostra uma notícia onde um tal de Luiz Caldas, inventor do Axé, teria se "convertido" para o heavy metal. Do axé para o metal. Então a outra pessoa me diz que "ah normal ficar assim, quando eu tava namorando com o fulano ficava um mês sem transar na boa". Agradeci as duas por terem estragado a minha noite com essas duas informações - em especial a última - e desliguei o computador, todo cheio do pesar pela capacidade de Deus dar rapadura pra banguela. Então eu fui dormir. Tinha cinco horas para dormir, para acordar e empurrar duzentos quilos no Leg Press logo cedo. Gente que se engana. Acordo com uma sensação esquisita de madrugada. Embalada por um sonho erótico. O sonho era bom - quer dizer, não lembro o que sonhei, mas sabe quando você sonha e acorda com uma sensação boa? Então. Mas acordei com uma sensação boa e uma sensação estranha. Uma certa umidade nos países baixos. A sensibilidade no torpor do sono fica um pouco alterada (pelo menos em mim) e coloquei a mão lá embaixo e me senti molhado. Tinha mijado nas calças? Meu, VINTE E TRÊS ANOS E MIJANDO NAS CALÇAS? Fiquei desperto e com o coração disparado, morrendo de vergonha de mim mesmo. Mas virei pro lado e resmunguei um foda-se. Essa virada durou três segundos e eu coloquei a mão de novo para ter certeza de que a sensação de ter molhado as calças era uma falta de sensibilidade do sono e porra, literalmente. Não tinha mijado nas calças. Era o que costumam chamar por aí de "polução noturna". Cristo! Me sentindo um cretino, fui até o banheiro e me lavei e lavei a roupa de baixo. Sempre evitando me olhar no espelho, devo afirmar. A situação estava crítica. Não sabia que horas eram. Tomei um banho bem sem vergonha, só lavei o que tava sujo mesmo e voltei pra cama correndo pra dormir mais. Acordei com o despertador tocando 05:45hs e mandei ele tomar naquele lugar e coloquei para despertar às 06:50hs. Despertou e coloquei para despertar às 07:00hs. Resumindo: levantei da cama às 07:15hs, bem de bom humor (coisa rara logo cedo).
(Outra pausa na digitação. Algo me incomoda).
Faz frio. Volto pro quarto e coloco a blusa enquanto deixo o leite esquentando. Uma grelha doida lá também, pra dar aquela chapada no pão. Abro o pote de Nescau e tem uma coisa branca dentro. Uma merda de creatina que me deram e que só prestou pra me dar dor nos rins. Não sei por que eu ainda guardo aquela porcaria. Abro o outro pote de Nescau e o que tem lá dentro não enche meia colher de chá. Um lampejo de impaciência faísca dentro de mim. Para complementar, meus irmãos, seres providos de extrema sagacidade, comeram todos os pães que comprei à noite e me deixaram somente os pães do dia anterior - feito 24 horas antes, no mínimo. Tudo bem. Então o inesperado acontece. O fim dos tempos é anunciado. A semente que geraria todo o meu mau humor estava sendo germinada ali, na cozinha, enquanto o leite fervia juntamente com o meu sangue. A luz apagou e a geladeira tremeu, encerrando suas atividades. Sem energia. Pensei no banho que deixei de tomar durante a madrugada e me sentei para comer aquele pão duro que o diabo deveria ter sapateado em cima durante a noite. Fiquei meditando e olhando o fogo que eu tinha esquecido de apagar. Levantei e apaguei. Comi e bebi e pensei "bom, lá vou eu tomar um banho gelado" e fui pro banheiro e fiquei peladão olhando a água caindo. Coloquei a ponta dos pés chegou a doer de tão fria. Comecei a pensar nas possibilidades. Ia lavar o essencial e tudo bem, daria para sobreviver. Coloquei o braço inteiro e porra, como dói! Desisti e pensei "porra, vou lá esquentar a água pra tomar banho de caneca".
Saí do banheiro e cheguei perto do fogão e bom, em casa não tem fósforos e não dava para acender o fogo. Ótimo. Pensei em ir tomar banho na academia e de lá ir trabalhar. Não, muito trabalho. Inspirei toda a coragem que tinha no ar e me senti o cabra mais macho de toda a cidade e voltei pro banheiro determinado e liguei o chuveiro inflando o peito e me sentindo o Chuck Norris e assim que a água caiu e me enfiei debaixo dela e puta que o pariu, só consegui lavar o pinto. Praguejando ininterruptamente, sai do banheiro às pressas para ir pra academia. Joguei toalha, sabonete, essas coisas, na mochila e saí. No meio do caminho um cara que treina lá falou que "tá sem força lá na Vera, cara". Pensa, pensa, pensa, pensa. Tem a filial de muay thai que fica perto do ponto e que eu tenho a chave. Mas lá não tem chuveiro. Tem a matriz que fica na Penha e tem chuveiro. Estava relativamente cedo e daria para eu treinar umas duas coisas e ir tomar um banho quente. Fiquei vinte minutos no ponto esperando um ônibus que desse pra entrar. Entrei, sentei e pá e fui e cheguei na academia e bem, o portão estava fechado. Todo santo dia eu passo lá na frente e a porra tá aberta, mas hoje não, hoje não ia ter treino, hoje tava fechada. HOJE HOJE HOJE. A energia não poderia ter esperado quinze minutos para acabar, porra? Não, eu não tenho cópia da chave da matriz.
Tem um hotelzinho furreca na rua do trampo. Pensei em entrar lá e pedir pra tomar um banho rápido e tal. Mas comecei a dialogar na minha cabeça:
- Então, preciso tomar um banho. Quanto fica?
- O preço do período!
- Mas eu só preciso de um banho de cinco minutos. Tem como?
- Tem, claro! São R$20,00 o período de duas horas e...
- Cara, não quero dormir nem foder ninguém, só tomar banho. Dou cincão por cinco minutos, vai?
- Só o período!
- Cara, eu posso pagar a porra desse período e deixar o chuveiro, a pia, a hidro e tudo que sai água desses malditos pulgueiros que vocês chamam de quarto e só pagar R$20,00. O prejuízo vai ser maior e...
E eu parei de pensar nisso. O planeta não merecia minha vingança mesquinha contra um imaginário recepcionista de hotel de quinta categoria. BAH! Fiquei mais dez minutos no ponto que fica perto da academia da Penha (aquela que sempre ficava aberta, mas hoje, excepcionalmente HOJE estava fechada, sabe) e entrei num outro maldito ônibus cheio. Na pressa, peguei a primeira blusa de frio que vi e acabei pegando a que tinha colocado mais cedo. As mangas cheiravam fritura. Acabei chegando no mesmo horário que chego todos os dias no trabalho. Eu ainda não tinha parado pra me olhar no espelho. Olhei e foi uma coisa tão boa: cara de sono, cara de quem não tomou banho, um cabelo de quem tinha acabado de acordar e um olhar de cansaço. E estava acordado há apenas duas horas. Cheguei e bati meu ponto e fui pro banheiro. A intenção era pegar o reservado lá dos deficientes e lavar tudo o que fosse possível. Mas a merda estava fechada. Algum cagalhão de merda chegou na frente. Fui pro banheiro do primeiro andar e a mesma coisa. Então lavei o rosto nas pias convencionais, com o sabonete que havia trazido. Ao olhar do público, mesmo. O pescoço, as orelhas. Queria tomar um banho completo. Mania de limpeza do cacete. Não conseguia sair de casa sem tomar banho nem pra ir comprar um pastel na feira. (PS: por que falei isso se não como pastel?). Não conseguia sair sem tomar banho nem pra andar de skate. E eu lá lavando o rosto e o cara da limpeza me olhando torto. Acho que eu estava gastando muita água enxaguando a face.
(Nessa parte eu parei de digitar, incomodado por algo).
Ele tinha o direito de achar ruim. Devia ter tomado um banho quente de meia hora pela manhã. Tinha sim. Já olhei com a cara de poucos amigos e ele foi cuidar da vida dele - coisa que não deveria ter deixado fazer. Então guardei minhas coisas, peguei o elevador e quando cheguei na minha mesa ela estava ocupada por outra pessoa. Tinham mudado o layout da parada. Me colocaram num lugar péssimo. Me deu fome monstra e o fluxo de serviço tava daquele jeito. Lembra daquela crônica minha, "Uma Boa Dose de Ódio"? Então, a inspiração do personagem está bem próxima de mim novamente.
(Por acaso descobri o que me incomoda: fico de costas para uma senhora bem legal. Só sabe reclamar, mas é do tipo que puxa assunto com todo mundo. Vocês conhecem o tipo? Aquele tipo que faz alguma observação no elevador e todos que estão presentes morrem de vergonha alheia? Então, e o incômodo era gerado por causa dela pescoçando isso aqui que eu escrevi. Acho que ela não vai gostar muito se um dia chegar a se deparar com esse texto).
Dia do amigo e eu sem tomar banho. Onde tudo começou? Por quê? Sorte madrasta! Comecei o texto falando que ia pegar pesado e bem, fui bem razoável. Quando comecei a sentir a necessidade de escrever eu estava sujo, com a alma suja, tão suja quanto a minha falta de banho, tão suja quanto a conspiração da Lei de Murphy. Mas na rua do hotelzinho safado tinha uma poça d'água no chão e tinha uma moradora de rua agachada lá, tomando banho. Fazia concha com as mãos e jogava aquela água verde escura na cabeça e no pescoço e se esfregava. É, existem coisas bem piores do que uma queda repentina de energia...