Raiva
A garota olha-se no espelho e só vê a culpa, o desespero, a derrota. No brilho fosco de seus olhos castanhos, vê passar todos os amigos que não fez, os projetos que não concretizou, a amargura que sempre envenenara seu pobre coração. Sentia-se velha e acabada.
Penteou o cabelo úmido para trás, através do vapor seu rosto pálido se emoldurou no espelho. Passou o dedo pra ver melhor sua pele lisa e bonita, a boca vermelha que lembrava um pequeno coração, mas não sentiu nada, só um leve desprezo pela garota fraca e molhada.
Viu suas têmporas se contraírem numa careta de choro, a pele branca se avermelhar, a boca vermelha morder-se. “Mas que droga de vida é essa?!” Sem saber se gritara ou apenas pensara, chorou em soluços e desesperança, os dedos contraídos sobre a testa.
O vapor transformava a atmosfera azulejada do banheiro num ambiente quase quente, quase sonho. Não se lembrou de ter quebrado o espelho, mas o corte feio na mão não parecia surpresa. Ficou um tempo sentindo o seu sangue vermelho escuro jorrar pelo antebraço, a sua imagem facetada parecia curiosa no vidro espatifado. Quase sorriu como uma louca, mas de repente, sentiu aquele medo antigo de criança. “Será que vai precisar dar ponto?” Tratou de estancar o ferimento com papel higiênico.