CHÁ DE DESAGRAVO
Está chateada. Ela e a mãe brigaram de novo. Motivos? Os de sempre. Dona Santinha não aceita que more sozinha. Implica com sua vida, seu trabalho, suas amigas. Sempre volta pra casa chateada depois dos almoços de domingo. Toda vez é assim. É tocar na ferida, lá vem confusão. Ai, meu Deus! O pior é que depois de amanhã é aniversário dela! Hum... Tinha de ter se segurado mais. E agora o clima? Pesadão! Fazer as pazes com mamãe! Que jeito, né? Um chá de desagravo! Isso! Ela vai gostar! Um chazinho bem gostoso com bolo de castanha, o preferido dela.
Lá vai o convite “Chá de desagravo para uma mãe muito especial! Com bolo de castanha!”. Acerta em cheio. Às 5, Dona Santinha toca a campainha. Clima meio tenso. Mas logo o mal estar da última briga é desfeito. Abraçadas, vão pra cozinha. A mesa posta. Toalha de linho, uma jarrinha solitária com uma rosa branca. O delicioso bolo de castanhas, o chá, as xícaras bordadas, pratinhos, colherinhas, garfinhos, guardanapos. Dona Santinha se comove “Ah, filha, cê pensou em tudo”. Letícia desaba “Cê merece, cê merece, mãe... Feliz aniversário!”
Dim... dom! Dim, dom? Ué, quem será? Letícia abre. Um bando de amigas, ou melhor, de maritacas, invade o apartamento. Entre risadas escandalosas tagarelam sem parar. Alguém já está na cozinha “Não acreditoooo, meninas, bolo de castanha!”. Foi o bastante. Só barulho de cadeira se arrastando. Da geladeira vem logo uma coca de dois litros, que esse negócio de chazinho é frescura... Aliás, frescura mesmo é uma coca geladérrima... Ui, que calorão!!
Dona Santinha sai de fininho. Vai ver TV no quarto. Já emburrou. Que horror! Que amigas são essas? Gente grossa, mal educada! Melhor esperar essas baderneiras se mandarem. Credo que mau gosto! Lá pelas tantas elas se vão. Letícia vem correndo.
_ Mãe, cê sumiu. Que papelão, hein? Nem ligou pras meninas!_ mas, por um segundo uma luzinha avisa o perigo_ Ah, esquece, vai...
Dona Santinha mal pode crer. Que desaforo! Então a ingrata da filha ainda está do lado das desclassificadas? Ah, assim não dá! Só aguenta porque hoje não é dia de briga. Vão pra cozinha. Deprimente! A mesa, um lixo só! A cozinha, um lixão! Mas hoje ninguém vai criar caso por aqui, vai? Senta-se.
_ Vamos ao chá, né?
_Pois é, mamãe... As meninas comeram o bolo de castanhas todinho...
_ Comeram, é? _ dona Santinha estremece ligeiramente, respira fundo, recupera imediatamente o autocontrole_ E o quê que tem isso demais? Cê não tem aí umas batatinhas Ruffles?
_ Batatas Ruffles? _ Letícia arregala os olhos, sem crer no que ouve.
_ É, tão usando isso demais agora em aniversário, sabia não?
Batatas Ruffles, sim! E daí? Em dia de aniversário, ninguém briga, não! Tão pensando o quê?